Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

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segunda-feira, 25 de março de 2013

Uma Semana Santa no Interior.

Como entramos na Semana chamada Santa, nada como uma crônica para falar das festas da infância do autor. Texto escrito nos velhos tempos da década de 70, mas atualizado para o momento atual.


Semana Santa Barroca

Mário Cleber da Silva.

            Os mineiros já faziam as suas filas para a procissão de Ramos, engrossada pelo grande contingente de turistas paulistas que para lá afluíam durante os festejos da Semana Santa. O sol estava forte, numa radiante manhã de domingo, e todos, muito consternados, acompanhavam, piedosos, o desenrolar do ato litúrgico.
            Crianças entusiasmadas sacudiam os ramos de oliveira com tanta intensidade, como se fossem bandeirinhas brasileiras na época de visitas presidenciais. Os ramos serviam, pelo menos, para uma coisa: espantar o suor que empapava os rostos. Debaixo de um pano dourado e cercado por vários homens, seguia o padre entoando cânticos que glorificavam o futuro ocupante do calvário. Depois da procissão, não havia nenhum ato religioso a mais no domingo, e mesmo nos próximos dois dias. Seria bom, então descansar e refazer-se do trabalho estafante. Na quarta-feira era dia de Procissão do Encontro, ou da Topada, como diziam alguns menos religiosos.
            Como toda cidade mineira que se preze, ela também era cheia de morros e montanhas. De um lado, encontrava-se o morro do Rosário, de onde sairia a Virgem Maria, em seu manto roxo (hoje a cor mudou o nome: é lilás); do outro, encontrava-se a Capelinha de São Benedito, no alto do Areão, de onde sairia Jesus carregando a cruz. Por vias tortuosas, íngremes e de paralelepípedos ou pés-de-moleque, lá iam duas procissões a caminho do Encontro, ou da Topada, que iria ocorrer na igreja Matriz. Do Rosário desciam as mulheres, chorosas e lamentando a sorte da Mãe. Da Capelinha, vinham os sisudos homens, carregando o andor do Homem-Deus. O calor da tarde era sufocante. As roupas domingueiras faziam-nos suar mais ainda, e os sapatos novos e apertados davam nos calos com gosto. Era um sacrifício para todos, e diziam que até as próprias imagens suavam diante do calor que fazia. Na Matriz, o sermão das sete palavras que duravam muito mais do que a procissão. Era o momento de testar a oratória dos padres e a paciência dos fieis, que expiavam seus pecados, ouvindo a peroração.
            Quinta-Feira Santa era o dia especial não só pela importância do evento, que é a Santa Ceia (que uma menina teimava em pensar que era uma mulher chamada Ceia e era santa), como também pela cerimônia dos lava-pés. Era uma briga conseguir uma vaga para o filho que queria ser apóstolo. O sonho de todo garoto era ser apóstolo na Santa Ceia e também receber um pacote de pipoca doce, feita pelas habilidosas mãos de D. Ondina. Só que ninguém queria ser Judas, pois, afinal, todo mundo sabia que ele era mau e que tinha traído o Mestre. Tudo corria na santa paz de Deus, com o padre beijando e lavando os pés dos meninos, o povo compungido e atento, até que se ouviu claramente a voz de um menino-apóstolo ecoar por toda a igreja: “E o meu saco de pipoca doce? Ninguém vai me dar?”
            Era uma vez uma cerimônia séria.
            O dia seguinte era dia de passar fome. Alguns jejuavam e outros não comiam carne, o que já é uma característica do povo, dado o alto preço do produto. A igreja estava apinhada de gente, como era de praxe, mesmo porque não se têm muitas opções de lazer, como os intermináveis filmes bíblicos na TV e sem cinema digno do nome. Seria o Descimento da Cruz, com o demoradíssimo sermão: “Descem o primeiro braço. O direito. Eis o corpo desfalecido, blablablá... Quando acabou o sermão, havia uma mulher chorando no fundo da igreja.
-        Chorando por causa da morte de Jesus?
            - Não. É porque o meu marido está fazendo o papel de Jesus e deve estar morto de cansado de tanto esperar que o tirem da cruz.
            O bom mesmo da Semana Santa é o Sábado de Aleluia. Lá é mesmo Sábado de Aleluia, pois o que tem de aleluia no finalzinho da tarde não está escrito em nenhum livro bíblico. As crianças ou as matam, ou as aprisionam em vidro. Porém, o que deixa eufóricos os rapazes e as moças da cidade é que esta noite da Ressurreição acontecerá o grande baile de Páscoa. Sabe lá o que é ficar quarenta e poucos dias sem baile? Vamos cair na gandaia, que a Semana Santa já acabou, e pernas pra que te quero!

Um comentário:

  1. Excelente crônica que traz doces reminiscências dos festejos da Semana Santa em nossas Minas Gerais, com todos os usos e costumes característicos, que só por aqui ainda tem.
    Antônio Carlos Faria Paz - Itapecerica/MG

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