Semana Santa Barroca
Os mineiros já faziam as suas filas
para a procissão de Ramos, engrossada pelo grande contingente de turistas
paulistas que para lá afluíam durante os festejos da Semana Santa. O sol estava
forte, numa radiante manhã de domingo, e todos, muito consternados,
acompanhavam, piedosos, o desenrolar do ato litúrgico.
Crianças entusiasmadas sacudiam os
ramos de oliveira com tanta intensidade, como se fossem bandeirinhas
brasileiras na época de visitas presidenciais. Os ramos serviam, pelo menos, para
uma coisa: espantar o suor que empapava os rostos. Debaixo de um pano dourado e
cercado por vários homens, seguia o padre entoando cânticos que glorificavam o
futuro ocupante do calvário. Depois da procissão, não havia nenhum ato
religioso a mais no domingo, e mesmo nos próximos dois dias. Seria bom, então
descansar e refazer-se do trabalho estafante. Na quarta-feira era dia de
Procissão do Encontro, ou da Topada, como diziam alguns menos religiosos.
Como toda cidade mineira que se
preze, ela também era cheia de morros e montanhas. De um lado, encontrava-se o
morro do Rosário, de onde sairia a Virgem Maria, em seu manto roxo (hoje a cor
mudou o nome: é lilás); do outro, encontrava-se a Capelinha de São Benedito, no
alto do Areão, de onde sairia Jesus carregando a cruz. Por vias tortuosas,
íngremes e de paralelepípedos ou pés-de-moleque, lá iam duas procissões a
caminho do Encontro, ou da Topada, que iria ocorrer na igreja Matriz. Do
Rosário desciam as mulheres, chorosas e lamentando a sorte da Mãe. Da Capelinha,
vinham os sisudos homens, carregando o andor do Homem-Deus. O calor da tarde
era sufocante. As roupas domingueiras faziam-nos suar mais ainda, e os sapatos
novos e apertados davam nos calos com gosto. Era um sacrifício para todos, e
diziam que até as próprias imagens suavam diante do calor que fazia. Na Matriz,
o sermão das sete palavras que duravam muito mais do que a procissão. Era o
momento de testar a oratória dos padres e a paciência dos fieis, que expiavam
seus pecados, ouvindo a peroração.
Quinta-Feira Santa era o dia
especial não só pela importância do evento, que é a Santa Ceia (que uma menina
teimava em pensar que era uma mulher chamada Ceia e era santa), como também
pela cerimônia dos lava-pés. Era uma briga conseguir uma vaga para o filho que
queria ser apóstolo. O sonho de todo garoto era ser apóstolo na Santa Ceia e
também receber um pacote de pipoca doce, feita pelas habilidosas mãos de D.
Ondina. Só que ninguém queria ser Judas, pois, afinal, todo mundo sabia que ele
era mau e que tinha traído o Mestre. Tudo corria na santa paz de Deus, com o
padre beijando e lavando os pés dos meninos, o povo compungido e atento, até
que se ouviu claramente a voz de um menino-apóstolo ecoar por toda a igreja: “E
o meu saco de pipoca doce? Ninguém vai me dar?”
Era uma vez uma cerimônia séria.
O dia seguinte era dia de passar
fome. Alguns jejuavam e outros não comiam carne, o que já é uma característica
do povo, dado o alto preço do produto. A igreja estava apinhada de gente, como
era de praxe, mesmo porque não se têm muitas opções de lazer, como os
intermináveis filmes bíblicos na TV e sem cinema digno do nome. Seria o
Descimento da Cruz, com o demoradíssimo sermão: “Descem o primeiro braço. O
direito. Eis o corpo desfalecido, blablablá... Quando acabou o sermão, havia
uma mulher chorando no fundo da igreja.
-
Chorando por causa da morte de Jesus?
- Não. É
porque o meu marido está fazendo o papel de Jesus e deve estar morto de cansado
de tanto esperar que o tirem da cruz.
O bom mesmo da Semana Santa é o
Sábado de Aleluia. Lá é mesmo Sábado de Aleluia, pois o que tem de aleluia no
finalzinho da tarde não está escrito em nenhum livro bíblico. As crianças ou as
matam, ou as aprisionam em vidro. Porém, o que deixa eufóricos os rapazes e as
moças da cidade é que esta noite da Ressurreição acontecerá o grande baile de
Páscoa. Sabe lá o que é ficar quarenta e poucos dias sem baile? Vamos cair na
gandaia, que a Semana Santa já acabou, e pernas pra que te quero!
Excelente crônica que traz doces reminiscências dos festejos da Semana Santa em nossas Minas Gerais, com todos os usos e costumes característicos, que só por aqui ainda tem.
ResponderExcluirAntônio Carlos Faria Paz - Itapecerica/MG