Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

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sexta-feira, 8 de março de 2013

Capítulo 3 do Conto "Uma História de Amor..."


Estou contando, romanticamente,  a história de um homem e uma mulher que vão se encontrando. Não percam os dois capítulos anteriores para ficar por dentro. 

Capítulo 3.
Enquanto ele vivia sua vida familiar, social e profissional, numa grande cidade paulista, ela ia se movimentando na capital mineira. Estuda, estuda, procura emprego, trabalha em banco, vai ao cinema – adora cinema, tanto que mora perto do antigo Cine Candelária, uma grande, ampla e moderna sala de exibição (foi lá que ambos viram Catherine Deneuve no início da carreira em Os Guarda Chuvas do Amor, e o arrasa quarteirões Doutor Jivago )  e, como era de se esperar de uma jovem, namora. E acaba se casando em 1984, na igreja do colégio Santo Antônio.
SJRP já está pequena, profissionalmente, para ele. Decide se candidatar à vaga de psicólogo em Betim (e ela ainda não se mudara para esta cidade, onde viveria por anos). Veio, fez os testes e antes de pegar o ônibus para voltar, resolve ir à Igreja de Santo Antônio. Rezar? Não. Tornara-se ateu, mas se lembrava bem dos conflitos religiosos que vivera depois de sair do seminário e de que fora ali, na Igreja do colégio, onde se extasiava com os diferentes tons de verde do imenso painel de São Francisco, que lhe lembrava vagamente dos traços de Portinari, que comungara pela última vez. Engraçado. As pessoas se lembram da Primeira Comunhão. Ele se lembra da Última Comunhão. Sorriu. Ele era diferente. Muito diferente. A igreja estava enchendo de gente. Só então reparou que ia haver um casamento. Tentou levantar-se para ir embora, mas algo o retinha no banco. Deixou-se ficar. Banco por banco, preferia o da Igreja ao da rodoviária. Viu o noivo. Alto, magro, barbudo. O órgão emitia músicas – nunca fora dado a músicas. Havia uma movimentação de gentes desconhecidas. Zum-zum crescendo. Era a noiva chegando. Saindo daquele estilo espalhafatoso de vestido longo e sapatos altos, ela vinha com uma sandália – rasteirinha, como se diz hoje -, um vestido branco curto e na cabeça um arranjo de flores que caiam sobre seu rosto e que a tornava mais linda ainda. (Saberia mais tarde que, sendo muito prendada, fora ela mesma que arrumara o vestido, os arranjos e tudo mais. Mãos de fada, falaria para ela depois. Você tem mãos de fada). Havia um quê de conhecido naquele rosto claro, fino, naquela moça magra que deslizava pelo corredor. Podia jurar que a tinha visto antes. Mas onde? Era nova, bonita e sorridente. Os cabelos longos, lisos e claros caiam sobre seus ombros. Ao passar perto dele, fitou-o nos olhos. Ela parou. Como se o reconhecesse também. A cabeça dele latejava. A memória lhe diz algo que não queria acreditar. Ambos piscaram. Nervosos. O homem que lhe segurava o braço puxou-a. Ela vira lentamente a cabeça e se dirige ao altar. Ele foge. Sai da igreja. A rua apinhada de carros e de gente voltando do trabalho. Lembrou-se. Primeiro, da rodoviária, quando saia de Belo Horizonte. Depois, de Patos de Minas. Não, não era possível. E se fosse? Ficara contente com a felicidade que ela estampava no rosto. O marido seria um futuro coronel da Polícia Militar. Tentou afastar a lembrança,  só o conseguindo quando se refugiou no quentinho do ônibus em direção ao Oeste paulista e refez mentalmente o texto que escrevera para comemorar o dia Internacional da Mulher, a ser publicado no jornal Dia e Noite, onde trabalhava como cronista, seu trabalho de despedida.:
AS MULHERES DE QUE OUVI FALAR...
De Eva, em contraposição a Lilith, das mulheres na pré história que morreram dando a luz os hominídeos que se transformavam, não tão rapidamente, em homens, nas deusas que suscitaram medo e pavor nos homens primitivos, nas grandes mulheres bíblicas, ou nas prostitutas, considerada a mais antiga de todas as profissões, nas mulheres oprimidas pelos homens, com o temor de sua influência, na virgem que deu a luz a um deus, mito presente em muitas religiões, nas feiticeiras assassinadas ou pelos homens ou pela instituição Igreja Católica, nas musas que povoaram a mente e corações dos poetas, das que serviram de imagens para Madonna, Pietà, Monalisa, nas atrizes que povoaram nossos sonhos de adolescentes, nas mulheres africanas que, ao nascerem gêmeos, matam um deles, em nome da sobrevivência do grupo, das mulheres mutiladas genitalmente na África ou mutiladas pelo aborto não consentido e ilegal, ou mortas quando querem exercer o direito de ter ou não ter filho,das sufragistas, da primeira mulher com cargo político, da profissional liberal em cargos antes ocupados só por homens, as mulheres pedagogas que passaram o conhecimento pelas gerações, Florence Nightingale, a primeira enfermeira que cuidou dos feridos na guerra do século passado, das mulheres escritoras, das cantoras, das mulheres que rodam bolsinha no alto da Afonso Pena em Belo Horizonte com concorrência direta e feroz dos travestis ou garotos de programa, das mulheres assassinadas pelos namorados, ex-maridos, numa autêntica caça às mulheres, das mães que se debruçam sobre os filhos assassinados por motivos religiosos, políticos, econômicos ou pela estupidez da patologia de outros homens e ou mulheres, das mulheres que cuidam dos homens, das mulheres de corpos siliconizados, das que morrem em lipoaspiração, das que passam fome ou por falta de alimentos ou por se considerarem gordas e sobretudo daquela que passa ao meu lado na rua, que toma o ônibus, que faz compra no supermercado, que enfrenta a fila no banco, a mulher do dia a dia, a mulher comum, a mulher ser humano que anda tão esquecida.
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Ficou morando em Belo Horizonte sem a família durante anos. A esposa, funcionária de banco, não conseguia transferência, o que só iria ocorrer em... ah, no ano que nascia a filha dela Tão esperada, tão desejada. É conhecido que filhos podem servir de um subterfúgio para o distanciamento dos casais.  E mesmo o menino, muito parecido com o pai, nascido pouco tempo depois e com nome quase igual ao da irmã, não segurou o casamento. E foi o que aconteceu. Mesmo casando depois, foi ela que se separou primeiro, e, que se frise, no mesmo ano que ele se aposentava da empresa. Era o ano 2000, na comemoração dos 500 anos de descobrimento do Brasil.
- Descobrimento, não – dizia ela, geógrafa , então trabalhando no Estado e Prefeitura e vendendo artesanato que ela mesma  produzia..      
Mas isso ele ia só ouvir mais tarde.
Com aposentadoria, a vida mudou. Foi tempo de não fazer nada, viajar, ler, escrever e separar-se. E sair de casa. Mudar de apartamento, de bairro e de vida. E uma namorada, colega de profissão e luterana, que não durou muito. Seria por causa da religião ou da profissão? Mas gostou de freqüentar a Igreja Luterana.

Fim. Do capítulo. Prepare-se para o Capítulo Final, em breve.

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