Capítulo: 4 e último. E longo.
- Mas 33 anos? – ela perguntaria
depois, nas várias e longas conversas que teriam.
- Sim. 33 anos de casamento.
- Eu te admiro. Em vez de sair para
os botecos, beber, ou drogar-se, você foi fazer outras coisas...
Sim e entre elas, estudar. Primeiro
foram disciplinas isoladas do Mestrado de Psicologia na UFMG, onde ocorreria o
penúltimo encontro, por acaso entre nossos dois personagens. Era no segundo
semestre de 2001. Tinha havido um seminário do Curso de Geografia para
homenagear Milton Santos, o geógrafo brasileiro de fama internacional,
intelectual, negro e quase esquecido pela mídia colonizada de nossos tristes
trópicos. E ele fora fazer a inscrição para o Mestrado. Terminados ambos, o
Seminário e a inscrição, ei-los, sentados no banco, esperando ônibus. Ela
conversava com uma amiga, e ele distraído.
- Amei este encontro. Milton Santos,
junto com Abner Sader e Suassuna, são as pessoas que mais admiro no Brasil. Com
Suassuna, se ele me pedisse em casamento, eu aceitaria.
Riram, ambas. Ele atentou à risada e
às últimas palavras.
- Vocês falaram do Suassuna – ele
puxou conversa. Só pessoas mais velhas puxam conversa com pessoas desconhecidas
- – Destes três, eu não conhecia o Milton. Mas casar-se com o Suassuna?
As duas olharam-no. Ela estava de óculos escuros (adorava óculos
escuros, tornando a pele de seu rosto mais clara ainda). E ele não percebeu
dois olhos arregalados que o fitavam. E não deu tempo para responderem, pois o
ônibus das duas chegava e nem ele ouviria o diálogo que se deu dentro do
coletivo.
- Você o
conhece?
- Eu, não.
-Parece que
já o vi em alguns lugares. Em épocas diferentes. Parece-me familiar.
- Bobagens.
Deixa para lá.
Depois, seis anos após, no Viver
Plenamente, um projeto de cursos para pessoas acima dos cinqüenta anos. E foi lá, no curso de História e Atualidades,
que um dia chegou uma professora nova. De óculos escuros, roupa clara, muito
falante, culta, comunicativa e que se depara com um grupo de 18 mulheres e dois
homens, Ela estava de cabelos curtos e avermelhados. Ele, mais envelhecido.
Havia um misto de surpresa, perplexidade e contentamento, sem que o soubessem.
Ele, naturalmente solto e extrovertido nas aulas, e mais à vontade: faz
perguntas, colocações, comentários, às vezes pertinentes, às vezes, não (o que
quer é falar para a nova professora), jogos de palavras e conta piadas na sala.
Depois de uma, inadequada e politicamente incorreta, a professora se posiciona.
- Você não acha que aqui não cabem
essas piadas?
Não gostou da reprimenda. Olhou-a,
severamente. Irritado mesmo. Talvez tenha sido aí que algo lhe passou pela
mente. Reparou nos cabelos, na testa estreita, nos olhos vivos, nas maçãs do
rosto, no queixo, nos dentes e na boca. Notou uma sensualidade nessa última.
Pensou em beijá-la. Sorriu. Mas perturbado. Não poderia apressar nada. O
destino, que os colocou próximos em várias situações, iria conspirar a seu
favor.
Uma semana depois, pedia-lhe o email.
(Ou ela deu errado ou ele copiou errado. Não houve comunicação).
No mês seguinte, ela chama os alunos
para assistirem um filme na tarde de terça feira.
- Mas logo na terça? Estou ocupado.
Não podemos ir outro dia?
O olhar reprovador foi a resposta.
Mais um tempo e ela fala da
preocupação com a filha, advogada e do filho engenheiro. Ele chega mais leve e
fala da dele que está na Inglaterra. Conversam fora da aula. Era esse o
caminho, falar e ouvi-la.
E outro dia
ela passa apressada perto dele.
Hei, hei,
aonde você vai?
Tomar café
com amigos.
Posso ir
junto?
Avançadinho,
tocou-lhe o braço e tascou o elogio: que pele macia.
Os emails acontecem. E com
assiduidade. E descobriram os encontros no passado.
Dezembro, os filhos dele chegam do
exterior. Ela viaja para Fortaleza para relaxar. Volta na véspera do ano novo.
E recebe um telefonema. “Sou eu. Seu ex-aluno do Viver plenamente. Quer ir ao
cinema comigo?”
Onde?
Palácio das Artes.
Foi lá que ela lhe mostrou uma foto, amarelada pelo tempo, de uma menina clara, de cabelos compridos e louros, brincando com cavalinhos de sabugo de milho.
Foi lá que ela lhe mostrou uma foto, amarelada pelo tempo, de uma menina clara, de cabelos compridos e louros, brincando com cavalinhos de sabugo de milho.
E assim começou a história de amor.
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