Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

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sábado, 28 de janeiro de 2012

As Mortes de Comadre Francisca e Compadre José João.

Aqui vai uma crônica, escrita há mais de 30 anos, relembrando vivências de minha infância, em Andrelândia, cidade longe de Carandaí e de Belo Horizonte.

As mortes da
comadre Francisca
e do compadre Zé João

Nenhum dos dois era meu compadre ou comadre. No entanto, todo compadre de alguém em minha terra se tornava automaticamente compadre dos seus filhos. O epíteto (atenção isto não é palavrão) ficava pertencendo ao nome próprio da pessoa. Assim aconteceu com Francisca, a lavadeira lá de casa, e José João, o homem que tivera entre os filhos um padre. “Ah, que graça divina é esta!” Suspiravam outras mães e outros pais que não tiveram tal ventura! “Um filho padre!” – Babavam todos de inveja. E olha que naquela época os padres não apareciam em televisão, cantando e arrastando multidões, verdadeiro caça níqueis, criticavam uns. Por que o Zezinho não vai estudar pra padre? O Carlinhos? O Luizinho? O Clebinho? (Epa! Eu não.) Aliás, a propósito, a mulher do “seo” José João se chama Ana, mas para nós era a Comadreaninha. Isto mesmo, tudo junto, como se fosse um nome só. Antecipando a nova ortografia do português, defendida por um partido político.
Recordo-me bem da comadre Francisca. De cor indizível (seria um problema para o censo do IBGE), já velha, com os dedos todos duros e grossos de tanto esfregar roupas, as mãos com artrites e uma voz enrolada. Toda segunda-feira ela ia lá em casa lavar a roupa. (Na minha terra era comum as lavadeiras irem às casas da burguesia local, onde lavavam toda a roupa, punham-na para quarar, almoçavam, tomavam café e, no final do dia, recebiam o pagamento de seu serviço).  Neste dia, o angu comia solto. Não há alimento mais forte e gostoso para a comadre Francisca do que angu. Acompanhado de carne, é claro, que ninguém é besta. A segunda-feira era um dia particularmente importante para a família.
Era quando se sabia das fofocas e notícias da cidade: “Sabe, dona, o que aconteceu com a filha da Fulana? Nem te conto direito porque fico com vergonha. Mas soube que o rapaz está procurando as calças até hoje. E olha que a Sicrana jurou de pé junto que nunca vira coisa igual. Como , se a Sicrana também fazia isto com o marido? Ah, isto a gente  não pode falar, né ? Mas tenho cá minhas dúvidas. E sabe o que aconteceu com D. Lazinha?  coitada, caiu da banheira e vai ficar entrevada. O médico, Deus me livre (batia na boca com a mão cheia de espuma de sabão), fez uma barbeiragem e não conseguiu dar um jeito na velha. É por isso que eu te digo; Nós velhos, não podemos esperar grandes coisas da vida”. A bem da verdade, deve-se falar que não existia Estatuto do Idoso naquela época, nem passe livre de ônibus para quem tinha mais de 65 anos.
Não sei de que morreu comadre Francisca (só espero que não tenha sido em cima de uma trouxa de roupa) e tampouco o que levou compadre Zé João para o além. Era velho este compadre Zé João. Nas manhãs frias da minha terra eu o via enrolado na varanda, fumando um cigarrinho de palha, ou então andando de um lado para outro, com o seu chapéu marrom enfiado na cabeça. Não era de falar muito; mantinha-se reservado e quieto. Proseava bastante só com o meu pai. Compadre do peito e que era um grande adjutório pro filho se tornar padre. “Ah, o padre Tonico!”- comentava ele; - “Isso que é filho”. Um santo homem. Os filhos do compadre, acredito, dariam um time de futebol: ei-los: Tonico, Zico, Flor, Tereza, Sebastião, Túlio (um amigão), Cecília, Pedro, Paulo, Ana e Chiquinho.
Foi com o Túlio do compadre Zé João que treinei na arte de matar passarinho, de andar pela roça, de ir até a capelinha de Santo Antônio. Nós dois conseguíamos ajudar na missa do Padre Jacó sem brigar um com outro para ver quem transportava o missal da direita para a esquerda, ou quem ia tocar a sineta na hora da consagração ou no início da celebração. E, mais, não brigávamos para ver quem ia beber o resto do vinho que tinha sobrado da missa. E foi junto com Túlio que o seminário me recebeu: um tímido e quieto menino que, apesar do tamanho, tinha dois compadres: a comadre Francisca (que ia lavar minha batina) e o compadre Zé João.
Não sei de que morreram. Mas eu estou sentindo muito.




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