Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

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quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Conto: Noite de Luz e Treva.

Em 2010, fiz uma viagem ao Leste Europeu e tive uma agradável surpresa de encontrar um escritor - juiz aposentado - entre os brasileiros. Viajando com a esposa, filho e nora, era uma família bem agradável e simpática. Conversamos muito e trocamos idéias sobre o gosto  da leitura e da escrita. Nós fomos os únicos a visitar a casa e o museu de Kafka, onde acabei vendo uma jovem loura, bonita, de mini saia, que se transformou em personagem de uma história minha. Bem, este escritor, Luiz, me enviou um conto recente dele e lhe pedi para publicá-lo em meu blog. Com a permissão, passo a meus leitores este texto. O autor, com vocabulário castiço, esgrima bem as palavras.

Noite de luz e treva

                            Morava debaixo do viaduto.

                            Durante o dia mendigava junto aos semáforos. Usava as moedas arrecadadas para comprar drogas baratas ou embriagar-se. Não gastava com pão; algum motorista, abrindo parcialmente a janela do carro, dava-lhe pacotes de bolacha.

                            As drogas serviam para imunizá-lo contra os males da realidade, as cruezas do dia. À noite, as bebidas lhe proporcionavam que dormisse pesadamente, como um animal, sem sonhos ou pesadelos.

                            Porém, nas últimas noites a cidade havia sido assaltada por milhares de lâmpadas multicoloridas. Andava em meio a janelas e árvores cintilantes, das quais pendiam luminárias imitando estrelas. As luzes doíam-lhe nos olhos. Das lojas emanavam canções tocadas obsessivamente até a exaustão.

                            Não conseguia se lembrar do significado de tantas luzes, de tantas canções. Examinava tudo com perplexidade; só tinha pensamentos enevoados, insuficientes para dar algum nexo a tamanhas efusões de cores e luminosidades.

                            Na última dessas noites, uma insônia atroz o perseguiu madrugada a dentro, mesmo durante o sono a profusão de luzes o ofuscava, sonegando-lhe o sono pesado de outras noites.

                            De repente, despertou, procurando em vão erguer-se. Lembrara-se. Uma imagem lhe viera à mente, envolta em penumbra, mas suficiente para que vislumbrasse as figuras do pai e da mãe, inclinados sobre o berço de um recém-nascido. Neste recém-nascido ele se reconheceu.

                            Em seguida, abateu-se sobre ele a escuridão, uma treva espessa, inteiriça e benfazeja, não conturbada por sonhos ou pesadelos, por nenhuma luz.

                                                                  Luiz Carlos R. Borges / 2011

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