Noite de luz e treva
Morava debaixo do viaduto.
Durante o dia mendigava junto aos semáforos. Usava as moedas arrecadadas para comprar drogas baratas ou embriagar-se. Não gastava com pão; algum motorista, abrindo parcialmente a janela do carro, dava-lhe pacotes de bolacha.
As drogas serviam para imunizá-lo contra os males da realidade, as cruezas do dia. À noite, as bebidas lhe proporcionavam que dormisse pesadamente, como um animal, sem sonhos ou pesadelos.
Porém, nas últimas noites a cidade havia sido assaltada por milhares de lâmpadas multicoloridas. Andava em meio a janelas e árvores cintilantes, das quais pendiam luminárias imitando estrelas. As luzes doíam-lhe nos olhos. Das lojas emanavam canções tocadas obsessivamente até a exaustão.
Não conseguia se lembrar do significado de tantas luzes, de tantas canções. Examinava tudo com perplexidade; só tinha pensamentos enevoados, insuficientes para dar algum nexo a tamanhas efusões de cores e luminosidades.
Na última dessas noites, uma insônia atroz o perseguiu madrugada a dentro, mesmo durante o sono a profusão de luzes o ofuscava, sonegando-lhe o sono pesado de outras noites.
De repente, despertou, procurando em vão erguer-se. Lembrara-se. Uma imagem lhe viera à mente, envolta em penumbra, mas suficiente para que vislumbrasse as figuras do pai e da mãe, inclinados sobre o berço de um recém-nascido. Neste recém-nascido ele se reconheceu.
Em seguida, abateu-se sobre ele a escuridão, uma treva espessa, inteiriça e benfazeja, não conturbada por sonhos ou pesadelos, por nenhuma luz.
Luiz Carlos R. Borges / 2011
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