Os livros que se propõem
a ensinar qualquer um a ser mais feliz, os gurus de autoajuda, os coaches pessoais
e até o inconsciente coletivo pregam que é preciso viver cada dia intensamente,
como se fosse o último. Afinal, a única coisa que temos de concreto é o
presente.
De acordo com essa linha
de pensamento, só dessa forma podemos desfrutar ao máximo de tudo aquilo que
temos – e ainda daquilo que não temos, se exageramos no entusiasmo na hora de
usar o cartão de crédito.
A máxima, no entanto, é praticamente impossível de ser seguida. E, caso alguém tenha coragem de encará-la literalmente, não terá felicidade garantida.
A máxima, no entanto, é praticamente impossível de ser seguida. E, caso alguém tenha coragem de encará-la literalmente, não terá felicidade garantida.
Quando as pessoas pensam
em viver intensamente, em geral, têm em mente extravagâncias, como viajar pelo
mundo, comer à vontade e realizar desejos – normalmente, caros e/ou pouco
saudáveis–, como se a humanidade fosse ser extinta no dia seguinte. Esse
comportamento, no entanto, é factível apenas para um grupo muito pequeno.
Para os especialistas em comportamento, viver intensamente significa, em primeiro lugar, valorizar as coisas importantes do dia a dia.
Para os especialistas em comportamento, viver intensamente significa, em primeiro lugar, valorizar as coisas importantes do dia a dia.
"Tem a ver, principalmente, com a maneira de realizar qualquer atividade, seja ela cotidiana ou grandiosa. Você vive intensamente comendo uma pizza, encontrando com os amigos, trabalhando, nas relações amorosas. Não é a situação em si, mas como ela é vivida", afirma a psicóloga Maria Julia Kovács, fundadora e coordenadora do Laboratório de Estudos sobre a Morte do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo).
Segundo a psicóloga
Denise Pará Diniz, coordenadora do Setor de Gerenciamento de Estresse e
Qualidade de Vida da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a intensidade
da vivência depende do significado que cada um de nós dá a ela. "Ter
sonhos e pensar em estratégias para realizá-los já é uma das fases do viver
intensamente".
Sentir que está aproveitando o que de melhor a vida pode oferecer também inclui o envolvimento e o compromisso que cada pessoa tem com a própria existência. "Alguém que mora numa pacata cidade e vive uma rotina simples e previsível pode, perfeitamente, viver intensamente, se está satisfeito com suas escolhas", fala a psicóloga Blenda de Oliveira.
Sentir que está aproveitando o que de melhor a vida pode oferecer também inclui o envolvimento e o compromisso que cada pessoa tem com a própria existência. "Alguém que mora numa pacata cidade e vive uma rotina simples e previsível pode, perfeitamente, viver intensamente, se está satisfeito com suas escolhas", fala a psicóloga Blenda de Oliveira.
O valor da rotina
Ao imaginar que a felicidade está em vivenciar experiências fantásticas ou luxuosas, muita gente despreza a importância da rotina. E, ao pensar assim, invariavelmente, projeta sua realização no futuro – é nele que se encontra a alegria tão sonhada, e não no momento presente. Esse é um erro que provoca desperdício de tempo e energia.
Para Blenda de Oliveira, as pessoas precisam aprender a se divertir com a rotina e a tirar proveito dela. "É uma pena quando as pessoas esperam a sexta-feira, o fim de semana ou as férias para 'aproveitar a vida'. A vida pode ser muito divertida todos os dias. Mesmo no trabalho dá para arrumar uma brecha para fazer algo bem simples e agradável, como tomar um cafezinho ou dar uma volta no quarteirão, observando as pessoas, os lugares, o céu", exemplifica a psicóloga.
Não são poucas as
pessoas que acreditam que uma vida intensa significa ter de passar por todas as
experiências de forma indiscriminada, sem muita reflexão, deixando-se levar
pela vontade momentânea. "Essa forma de viver gera ansiedade",
declara a psicóloga Sâmia Simurro, vice-presidente de projetos da ABQV
(Associação Brasileira de Qualidade de Vida). Ela diz que as pessoas confundem
e acreditam que "ter ou fazer coisas" é o caminho para uma vida
plena.
"Podemos ter um prazer momentâneo, mas ele tem um tempo de duração que, em geral, é curto. Quando aquela conquista deixa de fazer efeito, voltamos ao mesmo estado de humor de antes. O que se deve perseguir é o bem-estar e a paz interior. Assim, não importa o que se tenha ou faça. É possível se sentir bem e aproveitar o que a vida oferece", afirma Sâmia.
"Podemos ter um prazer momentâneo, mas ele tem um tempo de duração que, em geral, é curto. Quando aquela conquista deixa de fazer efeito, voltamos ao mesmo estado de humor de antes. O que se deve perseguir é o bem-estar e a paz interior. Assim, não importa o que se tenha ou faça. É possível se sentir bem e aproveitar o que a vida oferece", afirma Sâmia.
A ilusão do "dane-se"
Mas já que só temos certezas sobre o presente e precisamos valorizá-lo, não seria bom, então, seguir o conselho de tentar viver cada dia como se fosse o último? Para Maria Julia Kovács, da USP, esse "slogan" não passa de uma ideia falsa.
"Pode haver
momentos de jogar tudo para o alto e agir sem pensar nas consequências, mas, a longo prazo, essa atitude pode trazer
prejuízos às relações afetivas, familiares, sociais e profissionais",
explica a psicóloga. "Não pensar no amanhã é bom, às vezes necessário. No
entanto, sempre teremos de conviver com nossos medos, traumas e
angústias", diz Helio Roberto Deliberador, professor do Departamento de
Psicologia Social da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
Viver o presente nada tem a ver com "ligar o botão do
dane-se". "O que é possível, o que é de direito e dever de todos nós,
é que possamos viver com a intensidade, mas sempre de forma responsável.
Responsável conosco, pela nossa saúde física, mental e social", afirma
Denise Pará Diniz.
"Ser íntegro e
coerente consigo mesmo dá consistência à vida, é libertador e nos deixa
emocionalmente maduros para que possamos aproveitar o melhor que a vida tem
para oferecer", declara Sâmia.
Tema muito atual e instigante. Dá o que "pensar" e "falar" nesta sociedade hodierna, que não consegue se encontrar. É preciso resgatar o prazer no "quotidiano" da Vida.
ResponderExcluirAntônio Carlos Faria Paz. - Itapecerica/MG