Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

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segunda-feira, 1 de julho de 2013

Conto premiado "Veto ao Presidente"

Corria o ano de 1985 e ainda reverberavam pela nação os gritos "Diretas para Presidente". Depois do sofrimento e luto com a morte do Tancredo, todos estavam aturdidos com a presença do Sarney na cadeira da presidência. Eu entrava na montadora italiana em Betim e surgiu um concurso em nível nacional para os profissionais de recursos humanos. Tinha  ouvido a história, contada em cantos escondidos da fábrica, e resolvi aproveitá-la, tomando o devido cuidado porque o personagem principal ainda trabalhava na fábrica. (Trabalhava? Bem, o verbo talvez não fosse este.). O conto foi um dos 60 premiados, entre os 687 inscritos e saiu em livro O título original foi modificado pelos editores:- era "Direto só para presidente", numa clara insinuação política. E saiu com outro nome : Veto ao Presidente.
Aproveitando a onda da queda da Presidente de plantão nas pesquisas, resolvi postar o conto, com algumas modificações. Ah, não advogo sua queda. Foi eleita democraticamente.

VETO AO PRESIDENTE.
Mário Cleber da Silva.

Não fora difícil recrutar os dois ascensoristas para o prédio da empresa em Belo Horizonte. O escritório ficava no centro da capital mineira, na movimentada e tradicional Rua da Bahia, e ocupava os seis últimos andares do longilíneo prédio (tinha mais de 25 ). E eram dois elevadores exclusivos para a multinacional. O local de trabalho dos dois novos funcionários. Joel, o mais velho e o mais esperto, até se saiu com esta, ao ser perguntado pelo psicólogo porque deveria ser ele o selecionado: "Com Joel, você chega ao céu.". Conseguiu roubar um leve sorriso do psicólogo carrancudo e a vaga. Talvez embalado por sua pobre rima, arrematou: Não desejo ser só um ascensorista. Quero ascender mais na empresa.
- Ah, é? E até onde? - perguntou o carrancudo e agora irônico selecionador.
- Auxiliar de escritório.
Definitivamente a primeira vaga já era deste candidato.
Já Ismael era o contrário. Simples, cordato e pouquíssima ambição. Talvez nem saísse do rés do chão.  O que lhe interessava era trabalhar na montadora. E enchia a boca ao falar: tenho um empregaço. Trabalho numa montadora. Sou ascensorista.
E se mostrara satisfeitíssimo com o salário que ia ganhar, levemente acima do mínimo. Ia dar um folga para a mãe viúva.
Enquanto passava pelo treinamento, uma frase lhe martelava a cabeça: Ninguém poderá pedir para o elevador ir direto para o último andar, onde se situava a Presidência, sem ter que parar em todos os outros anteriores.. Só o próprio Presidente.  E Ismael começou a trabalhar. Fazia bem o seu serviço, orientava os "passageiros", não deixavam que conversassem, segurando a porta, sabia dar informações precisas e, claro, nunca ia direto ao último andar.
Sexta feira de grande movimento, o elevador apinhado de gente. Eis que chega um senhor discreto, ainda que elegantemente bem vestido e, sem meias palavras, diz ao Ismael: "Direto para a Presidência"
- Infelizmente não dá, meu senhor. Diretas só para Presidente - brincou Ismael.
Estranhamente ninguém riu, nem ao menos esboçou ou sorriso. O homem não retrucou e, pacientemente, esperou que todo mundo descesse nos sete últimos andares, antes do dele. Chegando lá, no último, saiu e agradeceu.
- Quem é o senhor? perguntou, distraído o ascensorista.
- Sou o Presidente.
E Ismael continua no emprego até hoje, mesmo tendo vetado o Presidente.

Um comentário:

  1. Mário Cleber é um excelente cronista. Crônica é o "arroz com feijão", que nos alimenta e fortalece. Parabéns ao cronista pelo seu excelente trato com as letras.
    Antônio Carlos Faria Paz - Itapecerica -MG

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