Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A Coisa está ficando preta.

Este texto foi escrito em 1979. Manmtive-o como no original. Vai lembrar alguns personagens, como Delfim Neto (depois de servir aos governos militares, virou defensor do PT) e Mequinho (maior enxadrista brasileiro).  E um eterno problema no Brasil: a inflação (agora, aparentemente, domada). O leitor poderá comparar este texto com o anterior, escrito 20 anos mais tarde (em 1999). Alguns olhares mais sensíveis poderão torcer o nariz para a linguagem nada politicamente correta. Eram aqueles tempos.

A Coisa tá ficando Preta. (Ou já ficou?)


            Nas minhas poucas décadas de existência jamais vi uma situação tão difícil,economicamente falando, para as pessoas como agora. Os salários estão sendo modificados com com uma certa elasticidade, mas nada valem diante do assustador monstro que anda sendo esta inflação galopante. As reivindicações salariais estão sendo feitas a torto e a direito (“torto e direito” é expressão, não se refere à Granja do Torto e nem ao menos ao setor direito da sociedade”), porém continuam os conflitantes problemas de sobrevivência. A vida está muito cara e tudo nos leva a crer que a coisa vai ficar cada vez mais preta.
            Não bastou a mudança de Simonsen pelo Delfim Neto. Apesar de recebido triunfalmente por certas camadas da população nem todas é claro, as boas intenções do ministro têm esbarrado em dificuldades das mais diversas. A inflação de agosto chegou quase à inadmissível casa dos  6%. No espaço de um ano, ou doze meses, a inflação beirou os 50%, calculando-se, os mais otimistas, uma inflação oficial para 79 de 60%.
            A gasolina, infelizmente o que move toda a engrenagem social, tem subido vertinosamente e o último aumento, cavalar, diga-se de passagem, vai acabar com o orçamento de todo aquele que aspirava um carrinho simples e confortável, aspiração digna de qualquer sociedade capitalista que se preze. Os carros também foram atingidos pela onda altista e, hoje, para se comprar o carrinho mais simples, são necessários mais de 40 salários mínimos. Não levando em conta as restrições do financiamento que, para a alegria de alguns, tendem a ser aliviadas a partir de umas palavras de um assessor de Delfim.
            Os alimentos, básicos ou não, estão proibitivos para um grande número de pessoas, ainda que os supermercados estejam abarrotados de pessoas que andam comprando inúmeras coisas, nas coloridas prateleiras. O astronômico preço da carne, estragada muitas vezes, como estão a denunciar os jornais da capital e do interior, está longe do alcance (palavra ilegível) terra do trabalhador. O leite, emagrecido graças ao regime delfiniano, subiu e promete subir pelo menos mais uma vez este ano. Açúcar, arroz, feijão e outros já estão se tornando sonho e não realidade para muitos. O frango, então, passa por um esquema dos mais interessantes: o seu preço acompanha a carne bovina. Se esta subiu, o frango alça vôos altíssimos, parecendo mais uma gaivota do que  um simples e caipira frango de nossos quintais ou chácaras. O ovo, então, está tão difícil de comprar quanto de botar: custa.
            De modo que todas as pessoas,  uns em maior grau, outros, menos, estão vendo a coisa ou russa ou preta. Russa, porque as notícias referentes àquele povo estão constantemente nos jornais: ou porque têm algumas bases militares em Cuba, ou porque o bailarino russo largou a mulher e a pátria ou porque os jogadores de xadrez não perdoam nem o nosso Mequinho. Preto, porque quando a coisa aperta todo mundo diz que o “trem está preto”. Uma vítima da situação caótica e insustentável foi o meu barbeiro.
            Ainda resisto, com unhas e dentes, mais dentes do que unhas, pois estas são cortadas religiosa e semanalmente, a enfrentar um cabelereiro ou cabelereira.
            Sou ainda dos antigos. De modo que freguês assíduo, uma vez por mês, conhecia o meu barbeiro desde os velhos tempos que arribei na terra de São José. Por anos a fio, o fio de sua navalha ajudou a aparar os meus cabelos que estão escasseando cada vez mais. E o preço do corte ia subindo de acordo com o custo de vida. Mas eis que numa bela ensolarada manhã (dá pra perceber que não é domingo, pois nos domingos chove) dou de encontro com a barbearia fechada e em cima da porta uma placa amarela avisa: aluga-se. Não aguentou o barbeiro o aumento constante do aluguel.
            Estava demais para o parco rendimento dele e teve que se mandar. Para onde foi, não sei. Se mudou de profissão, não se sabe. Se resolveu voltar para a terrinha, duvida-se. Tudo é mistério na magra e escura noite do barbeiro. Algo porém é certo: não aguentou o tranco e se mandou.
            Quantos terão que seguir o exemplo do barbeiro? Quantos suportarão as dificuldades econômicas que têm abatido sobre o povo? A quem interessa a chagada quase triunfal de Brizola e a mais do que triunfal (esperam os nordestinos) vinda de Arraes? Ou se existirá um Arenão? Ou se o MDB vai para a cucuia? Nada disto chama a atenção das pessoas. O que elas querem é um custo de vida mais baixo, pois senão a vida vai ficar mesmo pretíssima.

Mário Cleber Silva
15/09/1979.

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