O título poderá levar a
pensar erroneamente que se está
reforçando preconceito. Muito pelo contrário. Apresenta-se aqui um conjunto de
pesquisas científicas bem sérias.
Pobreza e desempenho cognitivo.
A sabedoria popular diz que os
ricos ficam mais ricos e os pobres mais pobres. E, nesses últimos anos,
neurocientistas e economistas que pesquisam a relação entre a pobreza e o
desempenho cognitivo têm encontrado algum fundamento para essa afirmação, bem
como alguns fatores tratáveis que podem ajudar a romper com esse círculo
vicioso.
O desenvolvimento do cérebro
humano é determinado basicamente por dois fatores: a genética herdada dos pais
e o ambiente
no qual a pessoa é criada, desde a gestação até a vida adulta. O nível
socioeconômico de uma família influencia diretamente o ambiente onde a pessoa é
criada e, consequentemente, afeta a cognição, o desempenho
escolar e a saúde
mental.
Pesquisas sobre o nível
socioeconômico identificaram alguns pontos que ajudam a explicar o seu efeito
sobre o desenvolvimento do cérebro, os quais estão listados abaixo:
·
Cuidados dos pais: a qualidade dos cuidados prestados pelos pais
tem demonstrado um efeito principalmente sobre o desenvolvimento emocional da
criança.
·
Estímulo cognitivo: devido à plasticidade do
cérebro, uma criança que cresce num ambiente onde recebe mais estímulos
cognitivos, como jogos, livros, entre outros, consequentemente acaba tendo um
melhor desenvolvimento cognitivo.
·
Nutrição: a ingestão de nutrientes e calorias influenciam os
mecanismos relacionados à cognição e emoção. Famílias de baixa renda tem menos
acesso a comidas
saudáveis e possuem um risco maior de falta de comida e deficiência
nutricional.
·
Exposição a toxinas: devido às condições mais precárias de moradia
das famílias de baixa renda, é maior o risco de exposição a toxinas que afetam
o desempenho cerebral, como acontece com o chumbo.
·
Estresse: famílias de baixa renda estão geralmente expostas a
ambientes com níveis de estresse mais elevados, provenientes do estilo de vida,
vizinhança mais perigosa, barulhos, entre outros fatores. Isto pode levar ao
estresse crônico e afetar o desenvolvimento cognitivo de toda a família.
O efeito do estresse sobre o
desenvolvimento cerebral tem sido muito pesquisado ultimamente e os seus
efeitos sobre regiões específicas do cérebro estão cada vez mais claros. O
córtex pré-frontal, mais relacionado a funções executivas, e a amídala,
relacionada ao controle
emocional, são bastante afetados pelo estresse. As regiões pré-frontais que
normalmente regulam a amídala são enfraquecidas pelo estresse, permitindo que o
cérebro fique mais sensível ao estímulo emocional. O cérebro essencialmente sai
do modo lento, mais pensativo, para o modo rápido, mais impulsivo e instintivo.
Felizmente, se o estresse encerra, a habilidade cognitiva poderá retornar ao
normal.
Porém, um estresse de longo prazo
durante a infância, quando as regiões pré-frontais ainda estão se
desenvolvendo, podem deixar importantes funções cognitivas, como o controle
do impulso, a capacidade de atenção, e a memória de trabalho, permanentemente debilitadas. Um estudo
recente, com um grupo de pessoas com 24 anos de idade que viveram a infância na
pobreza e sob estresse de longo prazo, identificou que elas possuíam na média
uma menor habilidade de regular a amídala. Ao comparar essa deficiência com a
renda atual dessas pessoas, os pesquisadores não encontraram relação, sugerindo
que ela foi causada na infância.
Outra linha de pesquisa tem
explicado os efeitos do estresse sobre a habilidade cognitiva através da teoria
de que a capacidade cognitiva de uma pessoa é limitada e que pode ser consumida
com o uso, pelo menos temporariamente. Em experimentos, pessoas que são
forçadas a exercer o auto-controle, um aspecto chave para a tomada de decisão
no dia-a-dia, mostram evidências de redução do mesmo em tarefas posteriores.
Alguns pesquisadores argumentam que a pobreza, devido à preocupação causada
pelo estresse, é um estado que consome tanta capacidade cognitiva que pode
exaurir o auto-controle rapidamente.
Essas descobertas oferecem uma
oportunidade única para entender como os fatores ambientais podem levar a
diferenças no desenvolvimento cerebral dos indivíduos. Também podem servir para
melhorar programas sociais e diretrizes governamentais, no sentido de aliviar as
disparidades causadas pelo nível socioeconômico na saúde mental e desempenho
escolar ou profissional.
Fonte:
Hackman,
Farah e Meaney, Socioeconomic status and the brain: mechanistic
insights from human and animal research, Nature Reviews
Neuroscience, 11 (Set 2010), 651-659
Kim
e outros, Effects of childhood poverty and chronic stress on emotion
regulatory brain function in adulthood, Proceedings of the National
Academy of Sciences of the USA, Nov 2013, 110(46):18442-7
Estupenda matéria!!! Deve ser amplamente divulgada!!
ResponderExcluirAntônio Carlos Faria Paz - Itapecerica/MG