Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

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sexta-feira, 27 de maio de 2011

NINÓTIKA


Uma leitora, atenta e lúcida, me deixou lívido de preocupação quando observou que meus contos terminavam de forma triste e negativa. Logo eu, um otimista inveterado? Fui, então, buscar no fundo do baú, este conto –está no meu livro – que, mesmo não terminando num final totalmente feliz, deixa no ar uma possibilidade de felicidade futura. Fiz algumas alterações quanto a locais e o próprio nome da musa – a quem eu tinha dado este apelido. Mantive o nome do cônego. Mas tudo não passa de ficção. Ou caô, como diz a supracitada leitora. Quanto à data da postagem do conto, esta tem uma razão de ser.


Ninótika

22 de setembro.
Colégio Nossa Senhora Imaculada – Mariana - MG.
Acordara feliz. Era uma manhã alegre, radiante, com muito sol e um lindo céu, que mostrava a beleza da primavera que se iniciava. Podia até dizer que ouvia os pássaros cantando (ainda que o colégio estivesse fechado). E tinha tudo para estar feliz. Era o seu aniversário. Levantara-se e colocara rapidamente o uniforme azul, com a blusa branca e o chapeuzinho branco com fita azul. Sentia-se uma menina, e não era mesmo uma menininha em seus 15 anos?
Uma missa ia ser celebrada em sua intenção. Ia ao encontro de Cristo, e com Ele encontraria o seu caminho. A sua vida. O seu destino. A sua paz. O percurso para a capela se mostrava tranqüilo e calmo.
Seminário Maior São José - Mariana.
Que diacho! Já se pusera de pé com extremo mau humor. Há dias que não agüentava aquela vida. Era levantar-se cedo demais, rezar muito, ir sempre à missa, enfrentar o frio matutino, mesmo sendo primavera. E depois, era meia hora de meditação. Meditava, sim. Mas sobre a sua vida insípida, sem graça, de um jovem de 20 anos que começava a palmilhar o caminho da descrença, da indiferença e da revolta. Estava aborrecido, para dizer o mínimo. Além do mais, fora escalado para ajudar na missa no colégio das freiras.  Que chato! E lá se foi ele ruminando, ranzinza e raivoso.
Capela do Colégio.
Era grande e bonita. Não poderia negar que estava bem encerada, cuidada e limpinha. As velas tremulando sobre o altar e alguns raios de sol batendo sobre a imagem da Virgem que, oh, blasfêmia, tinha o rosto parecido com o seu. Iniciava-se a missa.
- Introibo ad altarem Dei (Entrarei no altar de Deus).
- Ad Deum qui laectificat juventutem meam (Ao Deus que alegra minha juventude).
Que juventude é esta? Presa em seminário? Um botão que não desabrocha em flor? Impulsos que não se satisfazem? Desejos não realizados?  Hora da comunhão. Ah, quantos rostos lindos! E as línguas? E os dentes? Oh... acabaram-se as hóstias. Enquanto o padre buscava mais, teve oportunidade de reparar a menina que esperava a comunhão. Era a mais linda de todas. Tinha cabelos louros e compridos. Olhos grandes e perscrutantes. Boca sensual. Dentes alvos e...
Depois da missa, vinha o melhor: o café reforçado, com leite, queijo, broa de fubá, pão feito no colégio e ovos quentes. Por que os padres gostam tanto de ovo quente? Seria afrodisíaco? Mas, se eles não podem ... E a surpresa das surpresas: foi a lourinha quem trouxe o café.
-Ah, minha filha- dizia o cônego Luiz, com sua voz enjoada e fingindo um tom paternal-, é seu aniversário, não é? Parabéns! Rezei por você, na missa.
A jovem estava mais linda ainda. O cabelo solto esvoaçante. Parecia aquelas propagandas de xampu. Reparava nas meias brancas que lhe cobriam parte das pernas. Que diabo, sô! Mania de pernas que tinha.
- Como se chama? – continuou o sacerdote.
- Ninótika. – respondeu uma voz angelical e doce.
- Ninótika??? – o cônego e seminarista perguntaram ao mesmo tempo.
- Sim. Meu pai gosta muito de cinema e tinha visto o filme Ninótika, com Greta Garbo. Aí me deu este nome. É uma Princesa Russa.
- Então você é uma Princesinha Russa - falara num ímpeto e se arrependera, diante do olhar acusador do cônego. Este até fez o sinal da cruz, quando ouviu falar em “russa”. A menina ficou levemente corada.
Seminário.
Puxa, aquela menina era legal! Que fazer? Tinha de encontrar-se com ela. Mas como? E ela o receberia? Ah, o parlatório! Às duas da tarde iria lá. Era hora de visitas, e, supostamente, levaria um presente do cônego.
Parlatório do colégio.
Como era amplo, bonito e claro o parlatório! E aquele ar beatífico e santo que a gente sente no ar. Se bem que hoje, não havia nada de santo em suas intenções. Era o local dos encontros com parentes, sempre com uma freira por perto. Mas como era seminarista e vinha representando o cônego, provavelmente ficaria sozinho com ela.  Mas quem queria falar com ela? Seus pais só chegariam à noite, vindos de Madre de Deus de Minas, cidade distante e com estrada poeirenta. Ih, é aquele seminarista...
- Olha- falou gaguejando (era a primeira vez que falava sozinho com uma menina. Estava até com coragem) -, não foi o cônego Luiz que lhe mandou o presente, mas sou eu mesmo quem lhe dou. Nunca vi uma menina tão bonita, e queria ver se você poderia sair comigo. Não, não responda agora. Hoje, às 6 horas da tarde, na hora do Ângelus, eu me encontro com você.
Colégio.
Era a sua oportunidade de namorar. Todos tinham namorados, e ela com 15 anos já estava passando da hora. Mas com seminarista? Não seria pecado? Namorar padre faz a moça virar mula sem cabeça. E namorar seminarista? E o que diriam as pessoas? Até que o rapaz não era feio. Tinha charme e era gentil. Gostara da sua boca. Achara-a sensual. Não custava tentar. E naquele dia, às 18 horas, começou um romance mais ou menos escondido entre o jovem seminarista e a colegial, que continuou até dezembro, quando se despediram para as férias. Foi uma despedida triste, com beijos e abraços, acompanhados de lágrimas. Mas ele já tinha se decidido. Largaria o seminário.
Madre de Deus de Minas -
Era véspera de Natal. Uma chuva miúda e fria molhava os corpos dos homens, enquanto ele se dirigia para a Rua das Flores. Diante de uma casa bem grande, circundada por um lindo jardim, ele parou. Tocou a campainha. E foi ela quem apareceu.
Ninótika!
E os dois se enlaçaram num abraço longo, carinhoso e cheio de amor.



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