Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes
Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Entrevista (ficcional) com Millor Fernandes.

Meu amigo e colega no mundo blogueiro Etelvaldo, que junto com a Graça criou o wwwbbcr.blogspot.com.br , teve uma brilhante ideia ao elaborar um diálogo fictício com o Millor Fernandes, cujas respostas são aforismos ou ideias engraçadas e inteligentes do grande humorista. Degustem, riem e também levem a sério.


P = Primeiro, à moda dos testemunhos em julgamentos, promete dizer a verdade, somente a verdade e nada mais que a verdade?
R = Quem pede pra contar toda a verdade já está me exigindo uma mentira.

P = Para os desavisados, quem é você?
R = Millôr Fernandes, jornalista amador, que só recebe por fora e não agride a camada de ozônio.

P =Com tanto escândalo sob investigação, parece é que não vai faltar trabalho pros advogados este ano.
R = A advocacia é a maneira legal de burlar a Justiça. A notoriedade do advogado de defesa aumenta na medida em que faz voltar à circulação, com atestado de homens de bem, os piores assassinos, ladrões e contraventores.

P = E a corrupção? Vai dar jeito este ano?
R = Muita gente que fala o tempo todo contra corrupção está apenas cuspindo no prato em que não conseguiu comer.

P = Epa! Juro que a carapuça não me serve...
R = Também penso: Já que não podemos repartir melhor a riqueza, pelo menos devemos democratizar a corrupção.

P = Com tanta operação da Polícia Federal contra esquemas de corrupção, qual o seu conselho para um possível corruptível?
R = Se você não tem cobertura prum bom golpe, o melhor é ser honesto.

P = Como classificar a corrupção em nosso país?
R = A corrupção no Brasil não é mais um problema social ou ético. É matemático. O único país do mundo com 110% de corrupção.

P = A presidenta defende a ideia de se realizar um plebiscito para uma reforma política. Tem alguma sugestão de plebiscito?
R = Você é contra ou a favor da legalização da corrupção?

P = Acho que a corrupção vem muito (c/débito e haver) dessa relação incestuosa entre políticos e empresas, notadamente as empreiteiras. Estou certo?
R = Com esses contratos entre o governo e as empreiteiras o Brasil inovou mais uma vez. Não temos assaltantes de estradas; temos estradas de assaltantes.

P = Fechando este quadro, boas notícias para o Ano Novo?
R = Boas notícias, afinal. Nos últimos seis meses não houve nenhum aumento de corrupção na área estatal. Continuamos nos mesmos 100%.

P = Vamos falar um pouco da política e dos políticos.
R = Esses políticos todos andam tão ocupados com salvar o país que nem têm tempo de ser honesto.

P = Mas a nossa classe política é formada por profissionais.
R = Político profissional jamais tem medo do escuro. Tem medo é da claridade.

P = Como anda o Congresso Nacional?
R = No Congresso Nacional uma mão suja a outra.

P = O quadro é tão dramático assim?
R = A corrupção anda tão generalizada que já tem político ofendido ao ser chamado de incorruptível.

P = Quer aproveitar o espaço e dar uma indireta para alguém que está no Poder?
R = O máximo de habilidade político-econômica é a desses caras que se locupletam no capitalismo entrando pela esquerda.

P = Com tanto escândalo no mundo político, com tanta corrupção, qual a alternativa que nos resta?
R = Agora, que todas as ideologias falharam, só nos resta a cirurgia plástica.

P = Com o novo mandato, teremos uma reforma ministerial. Qual a sua avaliação?
R = Não chega a ser uma reforma ministerial; apenas mudança de cúmplices.

P = Como está o ar de Brasília?
R = A corrupção em Brasília, já diagnosticada como cleptomania, atingiu agora seu ponto mais alto; desapareceu até a umidade relativa do ar.

P = Já que você insiste nesta tecla da corrupção, vamos associá-la de vez ao seu princípio e ao seu fim, o dinheiro. Tem hora que você diz uma coisa, tem hora que diz outra. Está bem, já que você duvida daqueles que mantêm o mesmo ponto de vista por mais de uma semana. Mas você disse que o dinheiro é tudo na vida. Quer dizer, então, que as pessoas devem correr atrás do dito cujo?
R = O dinheiro compra o cão, o canil e o abanar o rabo. O dinheiro fala e também manda calar a boca. O dinheiro é a mais perversa das invenções humanas. O dinheiro é tudo. Ele é a fonte de todo o bem. Faz dentes mais claros, olho mais azul, amplia a dignidade individual, aumenta a popularidade, produz amor e paz espiritual e, quando tudo falha, paga o psicanalista.

P = Falando em dinheiro, não tem como deixar de falar dos banqueiros.
R = Os banqueiros não perdem por esperar. Ganham. Já o governo faz muito bem em proteger os banqueiros. Quando um banqueiro ganha mais 100 milhões, automaticamente, pelas estatísticas, todo o nordestino aumenta o seuper capita.

P = Agora sobre o Brasil, uma coisa boa é reconhecer que Deus é brasileiro, não é mesmo?
R = Está bem. Deus é brasileiro. Mas para defender o Brasil de tanta corrupção só colocando Deus no gol.

P = Mas o Brasil é um país grandioso, imenso.
R = Eu sei. O Brasil tem oito milhões de quilômetros quadrados. Mas tirem isso, e o que sobra?

P = Está claro que o país necessita de reformas, mas isso vai doer de alguma forma. Existe uma alegoria que possa amenizar isso?
R = Para pregar um prego sem machucar o dedo basta segurar o martelo com as duas mãos.

P = Um diagnóstico definitivo sobre o país.
R = O Brasil está cada vez mais cheio de pobremas.

P = Às vezes eu fico desanimado com tanta canalhice em nosso país. Canalha tem conserto?
R = Canalhas melhoram com o passar do tempo (ficam mais canalhas).

P = Millôr, eu pago pra ver nosso país tomar jeito.
R = Ver para crer é um conceito totalmente hermético para os cegos.

P = Muita coisa precisa ser mudada no país.
R = É, há muita coisa a ser mudada, mas não se pode mudar tudo. Daqui a milhares de anos a coisa mais confortável pra gente se sentar ainda vai ser a bunda.

P = Quer dizer que você é um otimista?
R = Parece que o negócio do Brasil agora é desconfiar de Deus e tirar o pé da tábua.

P = Mas, depois de tudo, você vê uma saída para o país, uma luz no fim do túnel?
R = No meio da falta de hierarquia, corrupção e anarquia, descobriu-se dramaticamente que não há luz no fim do túnel. Na verdade, nem criaram o túnel.

P = Para que não fique com a pecha de mal-humorado, vamos falar de amenidades, encaixando uma coisa ou outra nos prognósticos para o ano que se inicia. Vamos lá? Primeira questão: o que tem a dizer sobre a juventude de hoje?
R = Não é em tudo que estou de acordo com a juventude. Agora, essa permissividade, essa revolução sexual, não sei não, mas é uma coisa que me interessa muito.

P = Coisa engraçada é ver como moças cheias de graça se engraçam por pessoas não tão engraçadas, para não dizer feias. Isso vai continuar?
R = Burro carregado de ouro é cavalo de raça.

P = Agora, uma pergunta de meu interesse: a gente aprende algo com a vida?
R = Uma coisa a vida ensina – a vida nada ensina.

P = Algum segredo para o rejuvenescimento, além de plástica e botox?
R = Só existe uma maneira segura para remoçar: é andar sempre com pessoas vinte anos mais velhas do que você.

P = Puxando a brasa pra minha sardinha, ou puxando a sardinha pra minha brasa (pra falar a verdade, até hoje não sei como dizer): o que pensa dos mineiros?
R = Um mineiro nunca é o que parece, sobretudo quando parece o que é.

P = Melhor confissão de ateísmo.
R = Se Deus me der força e saúde, hei de provar que ele não existe.

P = E a fé?
R = Com fé você vence. Sem fé, você passa para trás os que venceram.

P = Qual o argumento para provar que a mulher é necessária na vida do homem?
R = Todo homem precisa de uma mulher porque tem sempre uma coisa ou outra da qual realmente não se pode culpar o governo.

P = No fundo e a bem da verdade, o que vem a ser amor à verdade?
R = Chama-se de amor à verdade a nossa permanente tendência a descobrir defeitos nos outros.

P = As pessoas cada vez mais se apegam a seus animais de estimação. Você admira algum animal?
R = O camelo: é um animal que, depois de ficar dias sem comer nem beber, consegue passar pelo fundo de uma agulha, e entrar facilmente no reino do céu (embora eu gostaria de entender porque o camelo iria fazer isso – passar pelo buraco de uma agulha).

P = A felicidade nos torna felizes?
R = A felicidade faz a pessoa generosa. A generosidade acaba fazendo a pessoa infeliz.

P = O Facebook faz sucesso. Tem algo a dizer?
R = Atenção, meninada, fazer relações públicas não é tornar públicas as relações.

P = Por que você defende o divórcio?
R = O divórcio é muito importante porque permite a pessoa se casar uma primeira vez por interesse e, com o dinheiro desse primeiro casamento, casar de novo por amor. Já quem se casa por amor a primeira vez e perdeu tudo que tinha, adquiriu, nesse primeiro casamento, suficiente experiência pra ter mais juízo no segundo.

P = E o casamento?
R = O pior casamento é o que dá certo.

P = Teme a morte?
R = Bom é continuar a ser sem o não ser à espera.

P = Algo mais?
R = Não vai ser assim, fácil, fácil, me botarem num cemitério. Vão ter que passar por cima do meu cadáver.

P = Algo que lamenta.
R = Tanta plástica no rosto, no seio, na bunda e ninguém aí pra inventar uma plástica no caráter.

P = Você não acha que as pessoas deveriam se dedicar mais à leitura?
R = É inegável que a leitura melhora fundamentalmente o ser humano. Desde que, claro, ele seja alfabetizado. Já a televisão piora até o analfabeto.

P = O que fazer quando, ao longo do ano, baixar o desânimo, o tédio, a descrença?
R = Não desespere – no momento em que a vida lhe parecer realmente insuportável, desligue a televisão e converse um pouco.

P = Como aparentar ter boa reputação?
R = Para você ter reputação de extremamente honesto, basta, quando alguém na rua gritar “Pega ladrão!”, fingir que nem é com você.

P = Ainda temos racismo e preconceito?
R = Nas estranjas, dizem!, todo homem é inocente até prova em contrário. Mas no Brasil pobre e preto é culpado até prova em contrário, e em muitos casos vai em cana como prova em contrário.

P = O que é viver?
R = Depois de não existir nunca e antes de desaparecer para sempre, a gente vive um pouco.

P = Um sinal dos tempos modernos.
R = Vivendo hoje, a gente não pode deixar de ter saudade daqueles tempos em que a humanidade era mais pura e inocente, como em Sodoma e Gomorra.

P = Carnívoro ou vegetariano?
R = Ao fim e ao cabo o homem que come carne é tão vegetariano quanto o homem que come vegetais. A carne é apenas a transubstanciação do capim que o animal come.

P = Uma máxima que, no mínimo, cairia como luva para a laboriosa classe política.
R = Nunca deixe de não fazer amanhã o que pode deixar de fazer hoje.

P = Uma imagem forte para o Ano Novo.
R = O pobre marido saiu da maternidade triste a abatido. Nascera-lhe uma dúvida.

P = Uma revisão histórica.
R = O maior erro de Noé foi não ter matado as duas baratas que entraram na Arca.

P = Uma prescrição médica.
R = Quando você está com a garganta muito inflamada, o melhor mesmo ainda é um bom gargarejo com água, sal e limão. Pode não melhorar a inflamação, mas serve para verificar se o pescoço não tem nenhum furo.

P = Uma prescrição psicológica.
R = Nos momentos de grande perigo é fundamental manter a presença de espírito, já que não é possível conseguir a ausência de corpo.

P = Chegando aos finalmente, uma boa receita para o Ano Novo.
R = Sempre que te derem um pontapé, oferece a outra nádega.

P = Na passagem de ano, qual o conselho: beber com moderação ou tomar todas?
R = Beber é ruim. Mas é muito bom. Deve-se beber moderadamente, isto é, um pouco todos os dias. Isso não sendo possível, beber muito, sempre que der. Mas o abuso, como a moderação, tem que ser aprendido. O amador que abusa tende a ficar desabusado.

P = Uma dica para o caso de uma pessoa se sentir mal.
R = Quando, ao apertar a barriga na altura do fígado, você sentir dor, deixe imediatamente de apertar.

P = E o Ano Novo?
R = Ano Novo, pois é. Coisa bem velha... Mas 2015 está aí mesmo... e a presidenta Dilma vai atender a todas nossas queixas. Queixem-se. Boas entradas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário