Heloísa Noronha.
Do UOL, em São Paulo.
Do UOL, em São Paulo.
Além da criação, muitos
fatores influenciam na formação de um indivíduo.
Os mesmos pais, passeios,
brinquedos, escolas, pratos, valores, regras. Se o modo de educar é tão
fundamental na formação de um indivíduo, por que filhos criados da mesma forma
acabam se tornando diferentes –às vezes, opostos– uns dos outros,
principalmente, na idade adulta?
Nem sempre essas diferenças dizem
respeito apenas ao temperamento ou à personalidade, mas ao caráter. O que houve
no meio do caminho para que irmãos se transformassem em pessoas com pouca ou
nenhuma semelhança com a família de origem? Trata-se de uma questão que tem
sido motivo de muitas pesquisas não só em psicologia, como, também, nas áreas
de antropologia e ciências sociais.
Acontece que a educação dada
pelos pais não é o único fator que molda uma pessoa. "Embora a família
ainda seja o elemento de maior influência no comportamento de uma criança, o
código genético do qual somos formados ainda é um grande mistério. E a maneira
com que cada um compreende e interpreta as coisas que estão à sua volta é
única", diz Maria Aparecida Belintane Fermiano, pedagoga e pesquisadora do
Laboratório de Psicologia Genética da FE/Unicamp (Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de Campinas).
A percepção de cada filho sobre a
realidade é diferente por conta de processos intrapsíquicos (que acontecem na
mente e iniciam a partir do nascimento), que se desenvolvem a partir de
experiências e estímulos. Esse mecanismo nos faz interpretar os fatos de forma
particular: uma viagem de férias ou uma comemoração familiar, por exemplo, será
encarada de modo distinto entre irmãos.
"A ideia da igualdade é mais
uma defesa do ser humano para lidar com a difícil questão de respeitar as
diferenças e conviver com o diferente. A educação familiar, mesmo que pautada
nos mesmos princípios, será sempre única para os indivíduos. Cada ser é único
em sua relação com o todo, com a vida e com sua história familiar. Daí as
diferenças serem absolutamente possíveis, e não apenas decorrente de questões
familiares", fala a psicóloga e analista junguiana Suely Engelhard, da
ATF-RJ (Associação de Terapia Familiar do Rio de Janeiro).
As diferenças ficam mais
perceptíveis à medida que as crianças vão crescendo. Ao observar dois irmãos
que chegam à adolescência, por exemplo, é natural notar que lidam com conflitos
e situações de modo diferente. Por exemplo: um é fechado, porque acha que nunca
foi ouvido, e o outro é mais comunicativo, por acreditar que o diálogo sempre
fez parte do meio familiar.
Mais um caso é o de irmãos com
desempenhos escolares discrepantes: um é excelente aluno, mas o outro não quer
saber de estudar. "Não conseguimos medir o que os outros sentem. Inúmeros
são os fatores que fazem com que uma pessoa pense assim ou 'assado'. Quem sabe
se o que não estuda não o faz porque tem medo de não ser tão bom quanto o
outro? Ou porque escutou os pais elogiando o irmão e se ressentiu?",
exemplifica Maria Belintane.
Ordem de nascimento
Eis um ponto importante: embora
os pais acreditem que estão dando o mesmo tipo de educação aos filhos, na
prática, não é bem isso que acontece. Primeiro: cada um sente o afeto de um
jeito. E, depois, porque afinidades, temperamento, gênero e idade regem as
relações. Existe uma corrente que prega que a ordem de nascimento dos irmãos
acaba demarcando a função de cada um na dinâmica familiar –e influenciando na
personalidade e nas escolhas futuras.
O maior defensor dessa teoria,
acolhida por muitos estudiosos em comportamento humano, é o psicólogo Kevin
Leman, autor do livro "Mais Velho, do Meio Ou Caçula - A Ordem do
Nascimento Revela Quem Você É" (Mundo Cristão). Ideias semelhantes foram
apresentadas por seu colega de profissão Frank J. Sulloway, ambos dos Estados
Unidos, em "Born to Rebel: Birth Order, Family Dynamics and Creative
Lives" (em tradução livre, "Nascido para Se Rebelar: Ordem de
Nascimento, Dinâmica Familiar e Vidas Criativas").
Para a psicóloga e terapeuta
familiar Mara Lins, diretora científica do Cefipoa (Centro de Estudos da
Família e do Indivíduo de Porto Alegre), o conceito faz sentido. "O
primogênito costuma receber uma carga maior de expectativas por parte dos pais,
pois é ele que, de certa forma, 'inaugura' a família. O caçula encerra esse
ciclo e é mais mimado, pois, provavelmente, será o último a deixar a casa dos
pais, marcando o surgimento do ninho
vazio. Os filhos do meio, em geral, se tornam pessoas muito populares e
queridas, pois tiveram de desenvolver recursos para chamar a atenção dos pais e
se destacar no lar", explica.
De acordo com Sonia Maria
Giacomini, coordenadora do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da
PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), o momento de vida
em que o casal gerou cada filho também é determinante para as diferenças futuras.
"Tudo deve ser levado em
consideração: se as crianças foram planejadas ou não, se o casamento atravessa
uma fase harmoniosa, a situação profissional e financeira dos pais, as
circunstâncias que permearam a gravidez e o parto e até os sonhos e desejos da
família. São fatores que ajudam a escrever a biografia de uma pessoa",
diz.
Amigos, professores e outras
influências
Conforme as crianças vão
crescendo, outros fatores são acrescentados à formação: amizades,
relacionamento com professores e avós, experiências, doenças. "Isso tudo
faz com que um desafio, por exemplo, seja interpretado de modo diferente por
irmãos, apesar de terem recebido as mesmas orientações para lidar com
ele", fala Sonia Giacomini.
Uma explicação para que os
valores dos filhos nem sempre se assemelharem aos dos pais é o fato de terem
nascido em épocas diferentes, cujos contextos econômico, social e político
influenciaram sua maneira de ser e a dinâmica do lar.
Uma vez que os filhos têm suas
singularidades, o ideal seria não criá-los de maneira igual. "Temos de
entender que eles precisam ser amados na mesma intensidade, mas não de modo
igual, pois são pessoas diferentes. Cada um tem aspectos positivos e negativos
distintos. É um equívoco
compará-los, pois quando os pais fazem isso, eles aprendem a comparar o
amor recebido e nunca, na opinião deles, serão amados tanto quanto o
outro", afirma a pedagoga Maria Belintane.
O mais saudável, de acordo com os
especialistas consultados, é se esforçar para administrar as diferenças, sem
tentar padronizar os filhos ou forçar afinidades, sempre respeitando as
particularidades de cada um.
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