CENAS NÃO MUITO EVANGÉLICAS.
Mário Cleber da Silva
Naquele tempo estava Jesus passeando com seus apóstolos
pelas poeirentas estradas de Jericó – o asfalto prometido nas últimas eleições
ficara só no papel - , todo distraído, acessando as Redes Sociais no smartphone
de última geração que tinha ganho de Marta como presente de Natal, isto é , no seu aniversário, quando o barulho
de uma multidão que vinha atrás dele lhe chamou a atenção. Perguntou a um dos
doze:
- Quem são eles? É a Marcha para Jesus? Ou é a Marcha das Vadias?
- O Senhor está atenado, hein? Mas se enganou. São os operários desempregados pelo corte que as grandes
companhias estão fazendo e algumas empregadas domésticas que ficaram
desempregadas depois do Pec das Domésticas e um monte de gente protestando contra o
aumento de 20 centavos nas carruagens.– falou sucintamente um dos supracitados
doze.
- Protestantes? – falou Ele. – Oh, Jeová, estes vão me dar
trabalho no futuro. Mas eles devem estar com fome – retorquiu o Mestre,
consultando o relógio que, felizmente, os trombadinhas ainda não tinham roubado,
e que ele tinha comprado no Shopping Oi. – Ainda bem que aqui é o Rio Jordão e
não Rio de Janeiro – ironizou (coisa rara, diga-se a bem da verdade). – O que
eles trouxeram para comer?
- E eles têm dinheiro para trazer “matula” ou “quentinha”?:
Não disse que estão desempregados? – falou o apóstolo que não estava em seus
melhores dias.
- E os protestantes? (Havia uma certa obsessão com estes)
Precisamos dar-lhes de comer. O que tem aí neste embornal? – A voz de Jesus era
doce como o mel.
- Isto não é embornal, é cesta biodegradável que os
supermercados estão enfiando goela abaixo dos consumidores e cobrando um
absurdo (este apóstolo ainda vai criar confusão, meu Deus). E não tenho nada
aqui, não. Tem um bóia fria aqui de Minas, que trabalha na colheita de café que
trouxe uma cesta com uns pães e peixes,
mas só um milagre para dar de comer a esta multidão toda com estas coisicas...
- Milagre maior é mineiro trazer peixe. Lá não tem mar. Se
fosse queijo.
- Hello, hello – o apóstolo fungou – Rio, pelo menos, tem.
Rio São Francisco nasce lá.
Nunca estudou geografia?
- Esquece – falou ele docemente -. Distribua isto para o
povo.
-Esta cesta básica?
- Ô, apóstolo – agora ele perdeu a paciência – tenho barba
mas não sou o Lula. É para distribuir o que está dentro da cesta.
Sem retrucar, o apóstolo chamou os coleguinhas e foram
distribuir o que tinha na cesta e de
onde milagrosamente não paravam de sair peixe e pão. Entretanto ouviu-se um
zumzum no meio do povo.
- O que foi? -
perguntou o mestre antes de atender uma chamada no celular, era o Papa
Francisco, mas aquele argentino podia esperar. – Estão reclamando?
- Estão querendo saber se o pão não tem produtos químicos
cancerígenos para crescer tanto assim?
- Homens e mulheres de pouquíssima fé. E ingratos.
- Perguntaram se não tem ovo de chocolate para sobremesa ou
goiabada.
- Ovo de chocolate só na Páscoa – falou Ele com tristeza
naqueles olhos azuis, parecendo artista americano, fazendo o papel de Cristo,
sabendo que a Páscoa significava sua morte. – Mas, reparando em alguns homens
ao longe, indagou: E aqueles lá? Por que
não comem? Estão nervosos?
- São vendedores de cachorro quente e de coca cola. O senhor
tirou o pão deles (riu por dentro o apóstolo com o trocadilho). Estão querendo
saber se o senhor pagou a taxa de licenciamento da prefeitura, se a Fifa
permitiu que o senhor desse, no lugar de vender, este lanche e se foi com a
autorização da Presidenta.
- Presidente!!! – corrigiu o Mestre.
- Shshshsh – o
apóstolo fez o sinal da cruz – Cuidado
senão ela te prende e a Páscoa vai ser antes da hora (hihihhihihi- voltou a rir
o desgraçado, por dentro).
- Não se pode contentar a todos, nem gregos nem troianos,
nem árabes e nem judeus, nem petistas nem tucanos. Oba , rimou. . Mesmo assim
ainda vejo gente sem comer...
- Isto não é, nem foi e nem será novidade – retrucou Judas,
que até o momento ficara calado.
- Não estou falando do futuro, Judas. Falando em futuro o
seu será ...
- Olha lá, olha lá, como fala. É politicamente incorreto dar
cor ao futuro.
Jesus engoliu em seco, para não explodir (tinha certa implicância com Judas, confessava.
Seria a barba? O gosto dele por dinheiro? A boca? Já imaginou ele dando um beijo? Hum..).
Controlando-se, continuou.
- Não falo do futuro, mas de agora, neste momento. No hic et
nunc. Tem gente que ainda não está comendo.
- É porque eles acham que “quando a esmola é muita o santo
desconfia”
- Onde você aprendeu isto? – estava curioso.
- No álbum “Como diz o ditado”, da Mônica, do Maurício de
Sousa. Acabei de comprar o álbum para minhas sobrinhas. Custou 33 moedas.
(Judas era um bom sujeito, pensando nas sobrinhas. Preciso
mudar minhas idéias sobre ele.)
De repente um montueiro de gente, uma confusão danada, uma
balbúrdia, uma algaravia. Pensaram ser até passeata de estudantes, ou mesmo
grevistas, ou mais gente reclamando do aumento de 20 centavos nas passagens de
ônibus no Brasil.. Mas nada disto. Era um jovem rico que queria se aproximar de Jesus e
estava atropelando todo mundo para chegar até o mestre. Quando conseguiu ficar
cara a cara com ele, perguntou:
- Mestre, o que devo fazer para ganhar a vida eterna?
Jesus, que não era bobo, nem nada, já sabia quem era, foi respondendo
com uma pergunta:
-Já fez a declaração de imposto de renda este ano?
- Sim.
- Então, se você fez a declaração direitinho, e não sonegou,
você vai alcançar a vida eterna, pois com este Leão do Imposto de Renda tão
bravo e tão exigente, não existirá ninguém que não alcance o céu.
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