Este artigo foi escrito originariamente por Dorothy Rowe em
um jornal inglês, alguns anos atrás e resolvi traduzi-lo, de forma livre, resumindo alguns trechos.
Nascida em uma família sem ligação com religião, apesar de a
mãe mandá-la assistir aos cultos religiosos em uma igreja pouco amigável, cheia
de pessoas frias e também nada amigáveis. O pai, ateu, costumava ler artigos de
Robert Ingersoll, um ateu do século XIX, cujos escritos curiosamente tinham o
mesmo tom musical e erudição que se encontravam na Bíblia Inglesa. O Deus do
Primeiro Testamento, cheio de crueldade e vaidade, não lhe agradava, mas sentia
atraída pela figura de Jesus, um homem amável e educado
Deus não se encontra nas trincheiras ou em qualquer outro
lugar, afirmaram-lhe os soldados que lutaram nas guerras, assim que ela entrou
na faculdade. Ao estudar a religião, elencava as crueldades e estupidez que as
religiões perpetraram pelos séculos afora no mundo todo, como escreveriam
Richard Dawkins e Christopher Hitchens
40 anos depois.
Quando ela foi trabalhar nos Hospitais Psiquiátricos,
percebeu que discutir religião não era suficiente. Precisava entender porque a
religião se tornava parte integrante da vida de uma pessoa e não desaparecia
nem mesmo quando esta religião causava tanta dor, sofrimento e culpa e a levava
a matar e até mesmo ao genocídio.
Embora não o reconhecessem, os pacientes deprimidos e
psicóticos estavam travando uma luta contra questões que teólogos e filósofos
também encetaram por milhares de anos: “ O que acontece quando eu morro”? “Como
me tornar uma pessoa boa?” Por que acontecem coisas ruins com pessoas boas?”
Siegfried, um psiquiatra alcoólatra e deprimido, contou
sobre o tio, um piloto da Aeronáutica Inglesa. Ele tinha a atenção e o amor do
tio, que substituía o amor que não tinha dos próprios pais. Mas um dia o avião
onde estava o tio espatifou no solo. Até aquela idade, 13 anos, ele tinha uma
idéia vaga de Deus – cantava no coro da igreja aos domingos. As últimas
lembranças que ele tinha de uma conversa com Deus foi quando uma noite ele O xingou numa
linguagem feia para uma criança: se Ele existe, ele é uma mer... Perguntado o
que ele achava de Deus, agora, o psiquiatra respondeu: se Ele existe, Ele é uma
mer...
Incapazes de encontrar respostas satisfatórias para o
significado de suas existências, os pacientes psicóticos construíram muitas
fantasias idiossincráticas. Ella era uma linda adolescente de 16 anos, retraída
e isolada, cujos pais demoraram a perceber os seus problemas, porque era uma
criança perfeitamente obediente a todas as ordens. A mãe de Ella disse: eu sempre
obedeci a meus pais e esperava que minha filha me obedecesse. Com medo da raiva
dos pais, Ella evitava as ações e comportamentos espontâneos. E disse à
psicóloga: “Comecei a achar que eu sou a única pessoa que está viva, o único
ser vivo. Tudo mais é uma visão. Vivo a vida de todo mundo. Estou neste mundo
sem propósito nenhum. Meus pais não são pessoas reais. Tudo o que vejo é deus. Sou parte de Deus”.
Uma criança totalmente obediente é uma criança fraca.
Somente se tornando o único ser vivo e parte de Deus é que Ella se tornaria
poderosa, forte.
“Nada disto interessava aos psiquiatras e psicólogos com
quem eu trabalhava”, escreve Dorothy Rowe. Eles estão interessados em
identificar os sintomas: culpa irracional é sintoma de depressão, e alucinação
e delírio, da esquizofrenia.
Os psiquiatras acham que os pacientes querem ser felizes,
sem perceber que, para muitas pessoas, é
melhor ser bom do que ser feliz.
“Morte”
era um tema que aparecia nas conversas com os pacientes. Perguntava a eles:
você vê a morte como fim de sua identidade ou como a entrada para uma nova
vida? Isto provocava uma discussão sobre o objetivo da vida”.
Tudo o
que sabemos com certeza sobre a morte é que a
pessoa fica estranhamente quieta e parada. Cada um de nós tem uma
fantasia sobre o que acontece depois que se morre e esta fantasia é que vai
determinar a finalidade de nossa vida. Se vemos a morte como fim de nossa
identidade, o propósito da vida será transformar esta vida numa vida
satisfatória, boa de se viver.
Há
milhares de maneiras de definir o que é “satisfatório”, mas aquilo que
escolhermos é que será nossa finalidade de vida.
Se se
encara a morte como a entrada para uma nova vida, temos que decidir se esta
vida será melhor do que a levamos aqui. Para nos dar esperança, decidimos que a
próxima vida será melhor. Aqui se levanta a questão da justiça. Todos vão para
uma vida melhor, ou existem alguns padrões de comportamento que devemos seguir?
O senso
de justiça nos leva a escolher padrões, e fazendo assim, condenamo-nos a viver
esta vida de acordo com a vida futura. Se você coloca modelos de comportamentos
que você pode seguir com facilidade, você limita a quantidade de dor que você
vai sofrer, mas caso você tenha padrões de vida rígidos, inflexíveis e quase
impossíveis de seguir, você vai se recriminar por não conseguir segui-los.
Para
todos nós, a vida é cheia de incertezas e dificuldades e termina em morte. Toda
religião proclama que vence a morte, fornece certezas e recompensas se sermos bons. É tão grande o medo que temos
da vida e da morte que a maioria de nós deixa a esperança dominar a
inteligência.
Um
famoso esportista inglês colocou numa entrevista, após a morte de seu irmão
caçula: “por que acontecem coisas ruins com as pessoas boas? Minha mãe é muito
chegada em Deus. E eu acho que quanto mais perto de Deus você está, mais o
diabo apronta com você. Ele vai fazer o possível para afastar você de Deus.”
Isto
significa que se a mãe do jogador não fosse tão boa, o filho teria sobrevivido?
Nenhuma religião
nos aceita como realmente somos. Ao contrário. Dizem que somos maus, insatisfatórios e
desesperados. Temos medo de que isto realmente seja verdade e para nos dar um
pouco de esperança construímos a
fantasia de como somos superiores àqueles que não partilham de nosso ponto de
vista. Assim sendo, sentimo-nos à vontade para impor o nosso ponto de vista aos
não crentes e, se resistirem, matá-los.
Na
Austrália, falaram para a autora que os Presbiterianos eram melhores do que os
Católicos, enquanto que os aborígenes nem humanos eram. Ela pensou que o homem
Jesus não iria aprovar estas idéias e isto a levou a compreender que, embora as
pessoas se diferem como indivíduos e em
termos de cultura, basicamente todos os seres humanos são iguais.
Todos
nós queremos ser a pessoa que achamos que somos e que os outros nos reconheçam
e que nos tratem com respeito. Queremos viver sem ser dominados pelo medo, ter
bons relacionamentos e ter um lugar seguro em nossa sociedade. Ninguém é melhor
do que ninguém por causa de suas crenças. Quando nos tornarmos aquela pessoa
que sabemos que somos, sem vaidade ou auto piedade, vivenciaremos a maravilhosa
experiência de nos sentir à vontade com tudo que existe. Alguns descrevem isto
em termos religiosos, outros, em termos de natureza, mas, qualquer que seja, não
temos a necessidade de uma religião nos dizer no que devemos acreditar.
,
crônica instigante, que faz pensar e refletir. Penso que existe algo mais, pois do contrário perderia o sentido de tanta luta.
ResponderExcluirAntônio Carlos Faria Paz. Itapecerica/MG