Escrevi este texto quando Papa João Paulo II esteve no Brasil
pela primeira vez. Aproveitado a renúncia anunciada previamente de Bento XVI,
atualizei a crônica, anexei alguma coisa diferente, acrescentei ironia nova e
levo aos leitores do blog. Adorava mexer com o que acontecia no momento,
tecendo humor e ironia sobre os fatos cotidianos.
UMA ESMOLINHA PELO AMOR DO PAPA.
Acostumado com os pedidos feitos pelos mendigos em portas de
bancos, supermercados, igrejas, teatros e cinemas, confesso que assustei-me ao
ouvir esta frase. Pensando ter escutado mal – resisto em colocar aparelho para surdez -, parei diante do homem
maltrapilho e sentado no chão. “Uma esmolinha pela amor do papa” – repetiu ele,
alheio à minha curiosidade.
- Como “pelo amor do papa”, não seria pelo amor de Deus? –
indaguei, perplexo, entre curioso e irritado.
- O idoso aí parece que não entendeu bem a minha colocação...
(Quase lhe dei uma bengalada pelo uso indevido de idoso.
Contive-me).
- ...o meu posicionamento
– continuou ele, impávido, e me surpreendendo pelo palavrório inusitado.- O.que aconteceu este mês de fevereiro do ano
de 2013 de Nosso Senhor? Quem está repetindo o gesto tresloucado do Presidente
Janio da Silva Quadros, nos antigos anos 60 do século passado?
- A renúncia?
- Sim, preclaro senhor. Quem renunciou?
(Como ele suavizou o idoso para senhor, abri um sorriso).
- O Papa.
- Então, nada mais justo que uma homenagem ao pontífice. Além do
mais, sou mendigo papólogo.
- Papólogo? O que significa isto?
Entendido em papas. Sou o mendigo que mais entende de Suas
Santidades. Devo entrar no livro dos Recordes por causa disto. Só para lhe dar
uma amostra: o segundo pontífice não italiano nestes quase 200 anos. Alemão,
então, há secula seculorum..
(Só pode ser ex-seminarista, usando este latim).
- ... brilhante teólogo, perseguiu o Leonardo Boff, substituiu um ex-esportista,
polonês, que teve um dos pontificados mais longos da história, e visitou os
campos de concentração nazista e talvez o mais intelectual de todos os papas,
teve que lidar com acusações de pedofilia no clero e se posicionar contra o
casamento de padres e a ordenação de mulheres..
- Puxa vida, você entende mesmo do riscado, quero dizer, papado.
Onde você ficou sabendo de tudo isto?
- Pelos jornais, é claro. Leio três jornais, diariamente. Um de
Minas, ou de São Paulo e o terceiro de Brasília. E também leio JJ Vidal, ex-seminarista
de Mariana que escreveu um livro interessante sobre Como Se fazem os Bispos.E
tem mais...
- O que? – indaguei, sôfrego.
- Fui convidado para ser o representante oficial de todos os
mendigos do Brasil numa conversa informal com o próximo papa que virá ao Brasil
para o Encontro Mundial da Juventude, junto com outros representantes regionais
da nobre classe dos mendigos. Já estava aprendendo alemão para falar com ele.
Agora não sei que língua falar.
- Esperanto... – ironizei.
Antes que ele me desse uma resposta atravessada, retomei o
assunto:
- Você vai?
- Mas é claro. Ou como diria o populacho: com certeza. Estou
tentando arrumar o dinheiro para pagar a viagem.
- E o que você dirá ao papa?
- Que reze bastante pelos pobres. Estamos precisando muito de
orações. Claro que não é só de orações. A décima terceira esmola, por exemplo,
é uma reivindicação antiga da classe. Até a nobre classe das empregadas
domesticas tem. Cada cidadão se encarregaria de dar uma esmola extra no final
do ano a um determinado mendigo. Outro problema que nos afeta profundamente,
que nos atinge no âmago de nossas necessidades, são as férias. Pedinte não goza
de férias...
(Tenho uma leve impressão de que ele sorriu, maliciosamente, com
os olhos, quando usou a expressão “goza”).
- ... o que é uma tremenda injustiça. Se a gente não pedir
esmola todo dia não dá para sobreviver. A inflação já ameaça ser galopante –
não obstante os malabarismos e manipulações grosseiras da equipe econômica da
presidente. Assim, não tem mendicância bem sucedida. Daí não termos sequer uma
folga semanal. Vamos falar com ele para interceder junto ao governo federal
para sanar tais dificuldades.
- São justos os pedidos – poderei.
- Justíssimos – concordou ele -. Mas não somos egoístas. Vamos
pedir por ele também. E antes que você diga “como assim”, já explico. Vou
sugerir que ele faça as viagens de surpresa. Assim, de repente. No supetão.
Gasta-se muito com as viagens dele. Você sabe que o Banco do Vaticano, o antigamente chamado Ambrosiano, não é lá muito
“católico” e já andou ruim das pernas e metido em falcatruas. Sem muito alarde,
ele chega ao país de destino.
- Você está certo. Concordo plenamente. Mas me diga uma coisa:
você não é um mendigo qualquer.
- Claro, isto é só um bico. Sou um profissional liberal. Você já
viu: o governo não paga adequadamente as aposentadorias, você contribui com dez
salários e vai ficar com um só, depois de alguns anos; temos sobrecarga
violenta de trabalho, uma competição predatória com enxurradas de novos
profissionais no mercado. Enfim, um futuro sombrio. Assim, já comecei a pedir
esmola. Pelo amor do papa. Ou pelo amor a um profissional liberal.
Artigo excelente, fino humorismo e ironia perspicaz, muito original.
ResponderExcluirAntônio Carlos Faria Paz.