Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

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domingo, 17 de abril de 2011

Sobre o Dia do Índio

Detesto estes dias: Dia disto, Dia daquilo. No próximo 19 de abril, "comemora-se" o dia do índio. Mas acho que em vez de "comemorar", deveríamos repensar nossa postura com a cultura indígena. E o que fizeram - portugueses, igreja católica e as seitas protestantes - com eles. Darcy Ribeiro, um mineiro de têmpera e grande escritor, tem vários livros e dentre eles  O Povo Brasileiro de onde recolhi um texto sobre os índios, muito bem escrito. Passo para vocês.

"Os índios perceberam a chegada do europeu como um acontecimento espantoso, só assimilável em sua visão mítica do mundo. Seriam gente de seu deus Sol, o criador - Maíra - que vinha milagrosamente sobre as ondas do mar grosso. Não havia como interpretar seus desígnios, tanto podiam ser ferozes como pacíficos, espoliadores ou dadores.
Provavelmente seriam pessoas generosas, achavam os índios.
(...)
Pouco mais tarde esta visão idílica se dissipa. Nos anos seguintes, se anula e reverte-se no seu contrário: os índios começam a ver a hecatombe que caíra sobre eles.
(...)
Mais tarde, com a destruição das bases da vida social indígena, a negação de todos os seus valores, o despojo, o cativeiro, muitíssimos índios deitavam em suas redes e se deixavam morrer, como só eles têm o poder de fazer. Morriam de tristeza, certos de que todo o futuro possível seria a negação mais horrível do passado, uma vida indigna de ser vivida por gente verdadeira.
Sobre esses índios assombrados com o que lhes sucedia é que caiu a pregação missionária, como um flagelo. Com ela, os índios souberam que era por culpa sua, de sua iniquidade, de seus pecados, que o bom deus do céu caíra sobre eles, como um cão selvagem, ameaçando lançá-los para sempre nos infernos.
A cristandade surgia a seus olhos como o mundo do pecado, das enfermidades dolorosas e mortais, da covardia, que se adonava do mundo índio, tudo conspurcando, tudo apodrecendo.
Os povos qua ainda o puderam fazer fugiram mata adentro, horrorizados com o destino que lhes era oferecido no convívio dos brancos, seja na cristandade missionária, seja na pecaminosidade colonial. Muitos deles levando nos corpos contaminados as enfermidades que os iriam dizimando a eles e aos povos indígenas que se aproximassem.
(...)
Aos olhos dos recém chegados, aquela indiada louçã, de encher os olhos só pelo prazer de vê-los, aos homens e às mulheres, com seus corpos em flor, tinha um defeito capital: eram vadios, vivendo uma vida inútil e sem prestança. Que é que produziam? Nada. Que é que amealhavam? Nada. Viviam suas fúteis vidas fartas, como se neste mundo só lhes coubesse viver.
Aos olhos dos índios, os oriundos do mar oceano pareciam aflitos demais. Por que se afanavam tanto em seus fazimentos? Por que acumulavam tudo, gostando mais de tomar e reter do que de dar, intercambiar? Sua sofreguidão seria inverossímil se não fosse tão visível no empenho de juntar toras de pau vermelho, como se estivessem condenados, para sobreviver, a alcançá-las e embarcá-las incansavelmente? Temeriam eles, acaso, que as florestas fossem acabar e, com elas, as aves e as caças? Que os rios e o mar fossem secar, matando os peixes todos?
(...)
O contraste não podia ser maior, nem mais infranqueável, em incompreensão recíproca. Nada que os índios tinham ou faziam foi visto com qualquer apreço, senão eles próprios, como objeto diverso de gozo e como fazedores do que não entendiam, produtores do que não consumiam. O invasor, ao contrário, vinha com as mãos cheias e as naus abarrotadas de machados, facas, facões, canivetes, tesouras, espelhos e, também miçangas cristalizadas em cores opalinas. Quanto índio se desembestou, enlouquecido, contra outros índios, por amor dessas preciosidades! Não podendo produzi-las, tiveram de encontrar e sofrer todos os modos de pagar seus preços, na medida em que elas se tornaram indispensáveis. Elas eram, em essência, a mercadoria que integrava o mundo índio com o mercado, com a potência prodigiosa de tudo subverter. Assim se desfez, uniformizado, o recém descoberto Paraíso Perdido."

Texto extraído do livro O Povo Brasileiro de Darcy Ribeiro

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