Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Zenóbia, a Benzedeira

Quem viveu nos anos cinquenta conhece bem as famosas Seleções de Readers´ Digest. Uma revista em forma de livro, de origem americana, e que continha informações, reportagens, resumo de livros e muitos textos curiosos. Quando torci o pé no Seminário Menor de Juiz de Fora em 1959, fiquei de molho na enfermaria por uns 4 dias. Para passar o tempo, mergulhei na leitura de Seleções antigas e me deparei com a seção: "Meu Tipo Inesquecível". Décadas e décadas depois, o Professor Rosalvo, no curso de português, pediu para que escrevêssemos sobre nosso tipo inesquecível. E me lembrei de Zenóbia. Eis a historinha.



MEU TIPO INESQUECÍVEL


Mário Cleber da Silva.


                 Sua fama corria solta, de boca em boca, e já atravessara as estreitas fronteiras do Turvo do Rio Grande e atingira as bucólicas cidades da vizinhança, como Bom Jardim, Aiuruoca, Liberdade e Carrancas. Quem não ouvira falar de suas curas quase miraculosas, da noite para o dia, ou do dia para a noite, ou até não  utilizara seus préstimos? Não só a fama, mas o temor, terror. Quem não teria medo daquele profissional?... Profissional? Não seria melhor chamar essa criatura de ..., de...,ah, como ainda temo em dar-lhe o nome corrente no início da década de 50, do século passado, quando eu, de calças curtas e óculos grossos, fazia minhas  travessuras de meninice.
             E foi por causa de uma dessas travessuras que eu ira enfrentar suas habilidades. Digo “enfrentar”, porque se exigia coragem para submeter a seus tratamentos. Eu caíra desajeitadamente sobre a perna e não teve outro diagnóstico. Quebrou. E como doía. Eu chorava. E foi quando ouvi minha mãe falar o nome daquela criatura. “Ah, não, por favor, não”, apelava eu com lágrimas e pavor nos olhos. Mas quem, senão aquele ser estranho, competente no que fazia, mas cujas técnicas e métodos eram assustadores?
               Médicos, não havia. E mesmo sem telefone, a notícia se espalhara e num piscar de olhos, mesmo de olhos infantis marejados, eis que assome à porta a figura tão temida, já pronta para o trabalho. Silêncio total, sepulcral?, só quebrado pelos soluços que eu emitia cada vez mais intensos e a intervalos cada vez menores. E aqueles olhos negros me olharam. Quase me paralisaram. Mas, curiosamente, notei uma ternura, uma meiguice, desconhecida para todos e principalmente para mim que nunca os encarara. Aproximou-se vagarosa e decididamente de meu corpo e massageando levemente minha perna dolorida começou a cantar, numa voz, incrivelmente terna, “nesta rua, nesta rua, mora um anjo, que roubou, que roubou meu coração”. Será que ia roubar meu coração? Era essa o preço do tratamento? Oh, deus, prometo rezar dez ave-marias e cinco pais-nossos (pai nosso é menos porque demora mais) se...
             Não deu tempo. Massageando com suas mãos delicadas, tirou uma desconhecida cruz de suas roupas e, levantando a voz aproximou-a de meu rosto, começou a pronunciar essas palavras que foram as últimas que ouvi antes de desmaiar, de medo, de dor e talvez pelas massagens daquelas mãos divinas, mágicas ou seria de uma feiticeira?
“Sai, capeta, sai, deste corpo pequenino, deste pobre menino”...
                Era Zenóbia, a benzedeira de nossa cidade, curandeira, bruxa, feiticeira, ou médica sem curso superior, especialista em pernas quebradas, sobretudo de crianças levadas e que ficavam conhecendo o lado humano, sensível e amoroso de uma mulher linda, de cabelos e olhos negros, como a asa da graúna.

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