Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes
Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Conversa de Santos. Conto? Crônica ou Caso?


       Deixo por conta do leitor a classificação desta bem humorada história.


Conversa de Santos



     Depois que os fiéis foram embora, o vigário, após certificar-se de que não havia nenhum cachorro escondido, mendigo também, ou um bêbado de boca aberta dormindo, fechou a porta principal do templo, que ficou em completa escuridão e em silêncio celestial. É nesta hora, no meio da noite, que os santos aproveitam a ocasião para bater um papinho descontraído e trocar impressões sobre os freqüentadores da igreja.
- Vocês viram – perguntava Santo Antônio, equilibrando o menino em um dos braços, enquanto o outro gesticulava - aquela mocinha com aquele vestido azul tão curtinho?
Não esperando a resposta, pois sabia que eles tinham visto (santo vê tudo), continuou:
-Está a fim de casar e está de olho naquele rapaz do PT. Tenho de dar um jeito nisto. O que não estou gostando é da pouca roupa que ela usa...
-Que é isso, Antônio? -inquiriu São Sebastião um tanto ofendido, enquanto despregava um dos braços e tirava a flecha do outro (os santos se tratam com intimidade; nenhum usa o “São” antes do nome, daí o Antônio sem o Santo)- e eu, olha como estou vestido. Sumariamente.
-Você é diferente- retrucou Santo Antônio (de Pádua ou de Lisboa? Esta dupla nacionalidade estava lhe trazendo dificuldade de identificação. Acabaria esquizofrênico. Além do mais não estava gostando de ficar carregando aquele menino nos braços  nesta época de acusações de pedofilia).
-Deixem disso, filhos – falou a Virgem, com ar maternal e bondoso. – Não vão discutir por detalhes insignificantes.
-É isto mesmo- falou São Pedro, meio bravo. – Não podemos julgar estas meninas e estes rapazes. Temos de condenar os que influenciam a juventude.
- Quem?- perguntaram os outros santos, curiosos. Santos adoram uma fofoca.
-Não me comprometa, gente - continuava Pedro, alisando a barba branca (tinha muita vontade de raspá-la) - , mas já que vocês insistem (ninguém tinha insistido, porém todos já sabiam que o Pescador era assim mesmo: gostava de uma prosa). Tem, por exemplo o Freud, este desmoralizador do lar, um sem- vergonha que andou falando muita bobagem; a Mary Quant, que inventou a mini saia; o Darwin, aquele danado, que falou que o homem veio do macaco; o Hafner, o fundador da revista Playboy; o Prestes; o...
- Pedro, Pedro, você está exagerando- ecoou uma voz profunda, grave e, ao mesmo tempo linda e maravilhosa. Era Ele.
-Desculpe-me, Senhor. É o entusiasmo – falou Pedro e se calou.
-Mas-  falou São Cristóvão, carregando um menino nas costas e que já estava cansado daquele peso e muito preocupado, junto com Santo Antônio, com estas acusações de pedofilia. Daqui a pouco iam falar mal dele - o engraçado do dia foi aquele sujeito que veio aqui para ler jornal. Acho que o barulho lá fora está demais. Parece que silêncio só mesmo na casa de Deus.
- Ou nas boates depois que todo mundo vai embora- completou ácido São Paulo, que ostentava uns dizeres debaixo de sua imagem: “Antes casar-se que abrasar-se”.
- O pior foi o tipo de jornal que o sujeito veio ler aqui- completou Santa Luzia, que, por ser protetora da visão, enxergava maravilhosamente.
-Qual era? – perguntaram novamente todos.
 Antes que Santa Luzia falasse alguma coisa, ouviu-se um estrondoso barulho. A porta foi posta abaixo. Dezenas de pessoas entraram correndo na igreja, pularam os bancos, derrubaram alguns, esconderam-se atrás dos altares e ficaram espiando. Fora, o barulho, os gritos, a confusão geral e um ou outro palavrão.
Os santos se entreolharam sem saber o que estava acontecendo. Procissão não era, porque nem tinha andor. Pagar promessa também não deveria ser, porque, por mais esdrúxula que fosse (e eles já tinham visto de tudo) nunca ninguém tinha se deparado com tal fato. Nem os santos mais antigos, como São Pedro e São Paulo, São Cosme e São Damião, e outros do segundo escalão. Talvez pecadores arrependidos de seus crimes e que ali vieram pedir perdão a Deus. Mas entrar daquele jeito na Igreja?  Não, ninguém sabia o que era aquilo.
De repente, outra confusão, gente correndo para lá e para cá. Uns fugindo, outros chorando. Pouco a pouco, foi tudo voltando à paz e à serenidade própria do local. A igreja ficou vazia. E ninguém ficou sabendo de nada pelo resto daquela noite. Os santos só descobriram o motivo da balbúrdia quando de manhãzinha um vendedor de jornais gritava a plenos pulmões, à porta da Igreja.
- Extra! Extra!Extra! Igreja invadida. Professores municipais e estaduais em greve, impedidos de fazer assembléia,  entram na Igreja para fugir da polícia.





Nenhum comentário:

Postar um comentário