Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

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sábado, 1 de fevereiro de 2014

Oxitocina: uma molécula da moral?

Temos moralmente bicudos, estes,  que estamos vivendo. Os representantes do povo - em todas as esferas - não têm sido exemplares. Quando estudei filosofia no Seminário Maior de Mariana, a Ética, a Moral, estavam ambas dentro de nossas matérias e interesses. Por outro lado, hoje vivemos  quase um primado da ciência. E talvez ela explique algo obscuro sobre este assunto de moral. E o autor traz uma terapêutica nova: o abraço.


No livro 'A Molécula da Moralidade', o neuroeconomista americano Paul Zak eleva o papel do hormônio oxitocina a novos patamares — mais do que ajudar mulheres no parto e na amamentação, ele é, em última instância, o responsável pelas relações de confiança na sociedade e na economia



Na segunda metade do século XVIII, Adam Smith publicou um livro que se transformaria em um dos pilares intelectuais do capitalismo. Em A Riqueza das Nações, o economista escocês defendia a tese de que o crescimento econômico provinha da busca do interesse próprio (não é pelo meus belos olhos azuis que o açougueiro me arruma a carne que preciso). Smith, no entanto, também defendia que "o homem é, por natureza, um ser com compaixão." Paul Zak, economista e diretor do Centro de Neuroeconomia da Universidade Claremont, na Califórnia, tem outro nome para a compaixão descrita por Smith: oxitocina. Em seu mais recente livro A Molécula da Moralidade  Zak defende que esse hormônio, ao promover a confiança entre indivíduos, é a 'cola' que une famílias e sociedades.

A oxitocina foi descoberta em 1909, quando o farmacologista inglês Henry H. Dale notou que o hormônio levava à contração do útero em gatas grávidas. Dois anos após o achado, a oxitocina já começava a ser usada por médicos para induzir o parto em gestantes. O hormônio viria a ser vinculado ainda à amamentação — ao estimular a musculatura da glândula mamária, facilitando a expulsão do leite. "Depois, ele passou a ser chamado de hormônio do amor, porque é liberado durante o ato sexual e o beijo", diz Pedro Saddi, endocrinologista e professor da Universidade Federal Paulista (Unifesp). Nos últimos anos, no entanto, uma série de pesquisas começou a sugerir que a substância tem um papel crucial de reguladora do comportamento social. Descobriu-se, por exemplo, que a oxitocina estava relacionada às ações de confiança e cooperação entre animais (é a molécula que faz roedores tolerarem outros membros da espécie em tocas apertadas, por exemplo). Em 2003, um estudo realizado pela Universidade de Maryland e publicado no periódico Behavioral Neuroscience demonstrou que o hormônio era responsável pelo comportamento monogâmico entre as ratazanas da pradaria (Microtus ochrogaster).


O economista Paul Zak, no entanto, resolveu ir além de tudo o que já se sabia sobre o hormônio. A tese inicial do americano procedia de uma percepção multidisciplinar. Em 2000, Zak demonstrou que países com taxas mais altas de confiança entre as pessoas eram também aqueles mais prósperos. Zak começou a refletir sobre as relações entre confiança, empatia e generosidade — esses dois últimos, sentimentos já ligados ao comportamento ético. "Pensei, então, em criar um experimento científico para ver se a oxitocina era a responsável por dotar as pessoas de senso moral", afirma em entrevista. Paul Zak dava, então, início à sua caçada pela molécula da moralidade.

Para medir a variação dos níveis de oxitocina no sangue, o economista pediu a um grupo de voluntários para participar do que chamou 'Jogo da Confiança'. O teste funcionava da seguinte maneira: o jogador 1 recebia 10 dólares e podia enviar tudo, uma parte ou nada para o jogador 2. O valor enviado, no entanto, é triplicado — se o jogador 1 doa 2 dólares, o jogador 2 recebe 6 dólares. O jogador 2 tem, então, a opção de devolver ou não algum dinheiro para o jogador 1. A análise sanguínea dos voluntários demonstrou que quanto maior era o valor transferido entre os jogadores, maior era os aumento nos níveis de oxitocina. "A liberação da oxitocina está diretamente relacionada com comportamentos transparentes. Se você se importa comigo, provavelmente me importarei de volta. E nossos níveis de oxitocina vão aumentar, nos unindo", diz Zak.

Para confirmar a tese e os resultados do primeiro teste, o economista repetiu as análises nos níveis de oxitocina em experimentos variados — fazendo os voluntários inalarem oxitocina, testando tribos e comunidades isoladas em diferentes locais do globo, exibindo filmes com forte apelo emocional e até mesmo pulando de paraquedas. Em todos, quanto maior era a confiança entre os participantes, maiores eram também os níveis de oxitocina. "Apenas 5% das pessoas não são capazes de ter essa liberação de oxitocina", diz Zak. Dentro dessa pequena parcela da população estão aqueles com problemas orgânicos, como autistas e psicopatas, pessoas que sofreram algum tipo de trauma como mulheres que foram abusadas sexualmente na infância) e que sofrem com stress.

Por estar diretamente envolvida com a interação social, a oxitocina afeta também as relações econômicas de um país. De acordo com Zak, isso significa que é a oxitocina quem nos diz em quem confiar e quando ficar desconfiado, quando gastar e quando poupar. "O nível de confiança dentro de uma sociedade determina se essa sociedade prospera ou se mantém na miséria", escreve. Para o economista, são as sociedades nas quais os indivíduos conseguem reforçar contratos, confiar no profissionalismo alheio e acreditar que o outro não vai roubá-lo que têm mais potencial para o desenvolvimento econômico. E a oxitocina está diretamente envolvida nessa confiança mútua.

Como se conclui, então, que a molécula da confiança é também a molécula da moral? "Com medições dos níveis de oxitocina no sangue, conseguimos prever se o sentimento de empatia, que nos conecta a outras pessoas, e nos faz ajudá-las, vai se manifestar num indivíduo em relação àqueles que estão à sua volta. É a empatia que nos faz morais", afirma Zak.

Guerra de hormônios– O ciclo virtuoso da oxitocina, no qual confiança causa a liberação do hormônio, o qual, por consequência, gera confiança, não é uma roda que gira em direção ao infinito. Do contrário, defende Zak, estaríamos todos à mercê de pessoas que querem nada mais do que tirar proveito desse excesso de confiança. "Não é seguro deixar a oxitocina ativa no cérebro", alerta. Por isso, a liberação do hormônio acontece cerca de um segundo após o estímulo e desaparece depois de 20 a 30 minutos.

O principal antagonista da oxitocina é o hormônio testosterona, responsável por evitar que ela se ligue aos seus receptores — reduzindo, assim, seus efeitos. Isso significa que quanto maiores os índices de testosterona, menor será a empatia e, por consequência, menor a generosidade. "A princípio parece algo ruim, mas a testosterona era a responsável por deixar os homens menos melindrosos ao matar animais para alimentar a família", escreve Zak. A diferença evolutiva, no entanto, permanece até os dias atuais: as mulheres liberam mais o hormônio e são mais suscetíveis aos efeitos da oxitocina. No experimento de Zak, enquanto o valor devolvido ao jogador 1 por homens era 25% do total, entre as mulheres esse número subia para 42%.

Abraço terapêutico — Drogas com oxitocina concentrada já estão disponíveis no mercado, mas seu uso é específico para casos de indução do parto e no pós-parto. Um estudo conduzido pela Universidade de Yale e apresentado recentemente durante o Encontro Internacional de Pesquisa em Autismo, nos Estados Unidos, descobriu que a oxitocina aumenta a função cerebral que processa informação social em crianças autistas.

Para Zak, no entanto, a chave da questão não está na reposição hormonal da oxitocina, mas em melhorar a sensibilidade dos receptores espalhados pelo corpo. "Os receptores dos psicopatas, por exemplo, aparentam ser disfuncionais. Então, mesmo que se faça a reposição hormonal, eles não vão sentir os efeitos disso", diz.

De acordo com o especialista, os avanços da medicina ainda não foram suficientes para fazer essa reposição de receptores com eficiência. Testes em novas drogas vêm sendo realizados, principalmente para o tratamento de esquizofrênicos, autistas e pacientes com depressão. Os resultados, no entanto, ainda são muito modestos – e longe de se tornarem uma realidade médica. "Minha preferência serão sempre os abraços, não as drogas", diz Zak.


Um comentário:

  1. Amigo Mário Cleber: você tem se superado com matérias interessantes, atuais e trazendo novidades sobretudo na área do comportamento humano, nesse mundo tão aviltado. Muito bom o artigo!!!

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