Nas minhas poucas décadas de existência jamais vi uma
situação tão difícil,economicamente
falando, para as pessoas como agora. Os salários estão
sendo modificados com com uma certa elasticidade, mas nada valem
diante do assustador monstro que anda sendo esta inflação
galopante. As reivindicações salariais estão
sendo feitas a torto e a direito (“torto e direito” é
expressão, não se refere à Granja do Torto e nem
ao menos ao setor direito da sociedade”), porém continuam os
conflitantes problemas de sobrevivência. A vida está
muito cara e tudo nos leva a crer que a coisa vai ficar cada vez mais feia,
Não bastou a mudança de Simonsen pelo Delfim Neto.
Apesar de recebido triunfalmente por certas camadas da população
nem todas é claro, as boas intenções do ministro
têm esbarrado em dificuldades das mais diversas. A inflação
de agosto chegou quase à inadmissível casa dos 6%. No
espaço de um ano, ou doze meses, a inflação
beirou os 50%, calculando-se, os mais otimistas, uma inflação
oficial para 1979 de 60%..
A gasolina, infelizmente o que move toda a engrenagem social, tem
subido vertinosamente e o último aumento, cavalar, diga-se de
passagem, vai acabar com o orçamento de todo aquele que
aspirava um carrinho simples e confortável, aspiração
digna de qualquer sociedade capitalista que se preze. Os carros
também foram atingidos pela onda altista e, hoje, para se
comprar o carrinho mais simples, são necessários mais
de 40 salários mínimos. Não levando em conta as
restrições do financiamento que, para a alegria de
alguns, tendem a ser aliviadas a partir de umas palavras de um
assessor de Delfim.
Os alimentos, básicos ou não, estão proibitivos
para um grande número de pessoas, ainda que os supermercados
estejam abarrotados de pessoas que andam comprando inúmeras
coisas, nas coloridas prateleiras. O astronômico preço
da carne, estragada muitas vezes, como estão a denunciar os
jornais da capital e do interior, está longe do alcance
(palavra ilegível) terra do trabalhador. O leite, emagrecido
graças ao regime delfiniano, subiu e promete subir pelo menos
mais uma vez este ano. Açúcar, arroz, feijão e
outros já estão se tornando sonho e não
realidade para muitos. O frango, então, passa por um esquema
dos mais interessantes: o seu preço acompanha a carne bovina.
Se esta subiu, o frango alça vôos altíssimos,
parecendo mais uma gaivota do que um simples e caipira frango de
nossos quintais ou chácaras. O ovo, então, está
tão difícil de comprar quanto de botar: custa.
De modo que todas as pessoas, uns em maior grau, outros, menos,
estão vendo a coisa ou russa ou feia. Russa, porque as
notícias referentes àquele povo estão
constantemente nos jornais: ou porque têm algumas bases
militares em Cuba, ou porque o bailarino russo largou a mulher e a
pátria ou porque os jogadores de xadrez não perdoam nem
o nosso Mequinho. Feia, porque quando a coisa aperta todo mundo diz
que o “trem está feio”. Uma vítima da situação
caótica e insustentável foi o meu barbeiro.
Ainda resisto, com unhas e dentes, mais dentes do que unhas, pois
estas são cortadas religiosa e semanalmente, a enfrentar um
cabeleireiro ou cabeleireira.
Sou ainda dos antigos. De modo que freguês assíduo, uma
vez por mês, conhecia o meu barbeiro desde os velhos tempos que
arribei na terra de São José. Por anos a fio, o fio de
sua navalha ajudou a aparar os meus cabelos que estão
escasseando cada vez mais. E o preço do corte ia subindo de
acordo com o custo de vida. Mas eis que numa bela ensolarada manhã
(dá pra perceber que não é domingo, pois nos
domingos chove) dou de encontro com a barbearia fechada e em cima da
porta uma placa amarela avisa: aluga-se. Não aguentou o
barbeiro o aumento constante do aluguel.
Estava demais para o parco rendimento dele e teve que se mandar.
Para onde foi, não sei. Se mudou de profissão, não
se sabe. Se resolveu voltar para a terrinha, duvida-se. Tudo é
mistério na magra e escura noite do barbeiro. Algo porém
é certo: não aguentou o tranco e se mandou.
Quantos terão que seguir o exemplo do barbeiro? Quantos
suportarão as dificuldades econômicas que têm
abatido sobre o povo? A quem interessa a chagada quase triunfal de
Brizola e a mais do que triunfal (esperam os nordestinos) vinda de
Arraes? Ou se existirá um Arenão? Ou se o MDB vai para
a cucuia? Nada disto chama a atenção das pessoas. O que
elas querem é um custo de vida mais baixo, pois senão a
vida vai ficar mesmo feiíssima.
Mário
Cleber Silva
15/09/79
Como é interessante lermos artigos antigos. Fiz uma viagem no tempo, Delfim Neto, a inflação galopante, lembro-me de tudo isso. E para nossa surpresa em pleno século XXI a ameaça da volta da famigerada inflação....Este texto serve para nos reposicionarmos no tempo.
ResponderExcluirAntônio Carlos Faria Paz.Itapecerica-MG