Aposentei e agora?
Não está fazendo nada? – eis a
pergunta constante. Há um pressuposto de que devemos trocar de trabalho na
aposentadoria.
Ou nos tornamos “jaque”: já que
você não tem nada que fazer, por que não faz isto para mim? Já que está à toa,
vai ao banco para mim.
Vivemos um momento único,
privilegiado: desfrutar, lúcido e saudável, o que a vida nos oferece.
E querem jogar coisas em cima da
gente...
Este texto do brilhante Rubem
Alves – ex pastor protestante, diga-se de passagem, - vem nos ajudar a entender
e curtir este momento tão especial.
"TAÇA INTEIRA
Por Rubem Alves
Você que trabalhou, batalhou, criou os filhos, envelheceu... Os filhos
cresceram, saíram de casa, você se aposentou... E agora o tempo se
estende vazio à sua frente, pouco importa levantar-se cedo ou tarde,
não faz diferença, os dias ficaram todos iguais, não há batalhas a
travar, ninguém precisa de você...
Cada dia é um peso, é preciso matar o tempo, descobrir um jeito de não
pensar, pois o pensamento dói, e vem uma vontade de beber, uma vontade de esquecer, uma vontade de morrer...
Chegou o momento da inutilidade, e é isso que você não suporta, pois
lhe ensinaram (e você acreditou) que os homens e as mulheres são como as ferramentas, que só valem enquanto forem úteis. Ensinaram-lhe que você é uma ferramenta que merece viver enquanto puder fazer. E agora que o seu fazer não faz mais diferença, você se coloca ao lado dos
objetos sem uso. À espera de que a morte venha colocá-lo no devido
lugar, pois nada mais há que esperar. Você está sem esperança.
Mas lhe ensinaram mal, muito mal. Pois nós não somos ferramentas.
Não vivemos para ser úteis.
Dizem os textos sagrados que Deus trabalhou seis dias para plantar um
jardim. Terminado o trabalho, já não havia nada mais para ser feito. E
foi justamente então que Deus sentiu a maior alegria. Terminado o
tempo do trabalho, chegara o tempo do desfrute. E o Criador se
transformou em amante: entregou-se ao gozo de tudo o que fizera. Com
as mãos pendidas (pois tudo o que devia ser feito já havia sido
feito), seus olhos se abriram mais. Olhou para tudo e viu que era
lindo. Pôs-se a passear pelo jardim, gozando as delícias do vento
fresco da tarde. E, embora os poemas nada digam a respeito, imagino
que o Criador tenha também se deleitado com o gosto bom dos frutos e
>com o perfume das flores - pois que razões teria ele para criar coisas
tão boas se não sentisse nelas prazer?
Se há uma lição a ser aprendida desses textos, lição que é que não
somos como serrotes, enxadas, alicates, fósforos e lâmpadas que, uma
vez sem o que fazer, são jogados fora. A nossa vida começa justamente
com o advento da inutilidade. Pois o momento da inutilidade marca o
início da vida de gozo. Nada mais preciso fazer. Travei as batalhas
que tinha de travar. Nada devo a ninguém. Estou livre agora para me
entregar ao deleite.
Todas as escolas só
nos ensinam a ser ferramentas. Será preciso que
você procure mestres que ainda não foram enfeitiçados por elas. Você
deve procurar as crianças. Somente elas têm o poder para quebrar o
feitiço que o está matando ainda em vida.
As almas dos velhos e das crianças brincam no mesmo tempo.
você procure mestres que ainda não foram enfeitiçados por elas. Você
deve procurar as crianças. Somente elas têm o poder para quebrar o
feitiço que o está matando ainda em vida.
As almas dos velhos e das crianças brincam no mesmo tempo.
As crianças ainda sabem aquilo que os velhos esqueceram e têm
de aprender de novo que a vida é brinquedo que para nada serve, a não ser para
a alegria!
Desde os seis anos tenho mania de desenhar a forma das coisas. Aos
cinquenta anos publiquei uma infinidade de desenhos. Mas tudo o que
produzi antes dos setenta não é digno de ser levado em conta. Aos 73
anos aprendi um pouco sobre a verdadeira estrutura da natureza dos
animais, plantas, pássaros, peixes e insetos. Com certeza, quando
tiver oitenta anos, terei realizado mais progressos, aos noventa
penetrarei no mistério das coisas, aos cem, por certo, terei atingido
Desde os seis anos tenho mania de desenhar a forma das coisas. Aos
cinquenta anos publiquei uma infinidade de desenhos. Mas tudo o que
produzi antes dos setenta não é digno de ser levado em conta. Aos 73
anos aprendi um pouco sobre a verdadeira estrutura da natureza dos
animais, plantas, pássaros, peixes e insetos. Com certeza, quando
tiver oitenta anos, terei realizado mais progressos, aos noventa
penetrarei no mistério das coisas, aos cem, por certo, terei atingido
uma fase maravilhosa e, quando tiver 110 anos, qualquer coisa
que
fizer, seja um ponto, seja uma linha, terá vida.
Vamos! A vida é bela. Pare de namorar a morte! Beba a taça até o fim!"
fizer, seja um ponto, seja uma linha, terá vida.
Vamos! A vida é bela. Pare de namorar a morte! Beba a taça até o fim!"
"Beba a taça até o fim!"...um brinde à vida!!!
ResponderExcluirCinara.
Como é belo viver, após ter cumprido a batalha. É tempo do usufruir, brincar de viver, sonhar. Beber da taça até o fim e não ficar espe-rando a morte. Excelente artigo!
ResponderExcluirAntônio Carlos Faria Paz
Adorei o texto ,Cleber. Aliás, adoro este velhinho que se chama Rubem Alves.
ResponderExcluirMeus votos, então, para você, são de um 2013 cheio de alegrias, nesta vida
que nada mais é que um maravilhoso brinquedo.
Abração da
Maria Clara