Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

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sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Um conto meu: "Mata o Bicho, Mata!"

Susto durante a celebração da Missa, numa pequena cidade do interior de Minas e o surpreendente final, quando o autor do blog era criança.


MATA O BICHO, MATA...

 Mário Cleber da Silva.

Não se sabia desde quando era sacristão na cidadezinha calma - exteriormente. Interiormente, era um rebuliço só. A política entre dois partidos inimigos há décadas criou as duas siglas: os gambás e as cobras, e a alternância no poder revelava que ora a cobra comia o gambá, ora o gambá devorava a cobra. E, entre as eleições, o convívio entre eles não era dos mais amistosos.  Mas, criança como era, não percebia essas briguinhas e não podia dizer se o sacristão era gambá ou cobra. O padre – sabia-o bem – era gambá. Um gambá forte, sacudido, sério e muito religioso. E culto, diga-se a seu favor. O sacristão, ao contrário, era rude, esquelético, ou seco, talvez por pouco comer. Gostava mesmo era de beber. É possível que ele fosse cobra. Mesmo porque era bravo, muito bravo. Ninguém fazia hora com ele. Principalmente, as crianças, que fugiam dele como o diabo foge da cruz. De modo que, ao querer ser coroinha, minha mãe, preocupada com o futuro do filho, me advertiu: mas logo com o sacristão Seu Paulo? Ele vai infernizar sua vida.  Mas o que eu podia fazer, se me agradavam aquela batininha vermelha, aquela sobrepeliz branca e aquele tilintar da campainha na hora da consagração? Esperar ele morrer de tanto beber ou “matar o bicho”, como se dizia antigamente para depois ser coroinha? Nem pensar, eu ficaria adulto antes, pois a saúde do sacristão era muito boa. De modo que, discretamente, comecei a ajudar as missas. Não sei se por manter uma certa distância do sacristão ou por ele me ver como o menor dos coroinhas ou por usar grossos óculos de fundo de garrafa, o Seu Paulo caiu de amores para comigo. Amores e atenção. Sempre estava perto nas missas em que eu ajudava. Talvez com medo de que eu não tivesse força suficiente para transportar o pesadíssimo missal de um lado para o outro. Ou tropeçar nos degraus do altar. Convém lembrar aos menos incautos que tudo isso ocorria nos anos 50, época de latim nas missas e da posição do padre, de costas para os fiéis. E estávamos todos felizes: o padre, por ter mais um coroinha, eu, por conseguir realizar meu sonho, e o sacristão por ter despertado em si aquele lado paternal, tão relegado. Não tinha família. Por isso se dedicava tanto à igreja. Ou também aos copos de pinga.  E tudo ia muito bem até que um dia... Bem, apesar de ser um gambá, portanto animal, e de ser muito forte, o padre era medroso. Tinha medo de bicho, inseto ou qualquer coisa que o valha. Sim, um dia, ao se preparar para fazer a consagração, a padre percebeu um bichinho no altar. Mesmo com medo, levantou a hóstia. Ao abaixá-la, notou horrorizado que o bicho avançara para bem perto do cálice. Tremeu. Olhou para trás me encarando. “Psiu”, me chamou. Eu me levantei e fui para perto do altar. Vi o bicho lá. Uma coisa feia. “Tira daí”, ele murmurou. Eu, hein bébé? Se ele é forte e grande e não dá fim no bicho, não serei eu, fraquinho, que vou fazê-lo. O Padre percebeu. Olhou pro lado e viu o sacristão. ‘PSIU’,  esse saiu mais alto,  e olhando o cálice, disse: Mata o bicho, mata...” O sacristão ficou parado momentaneamente sem saber o que acontecia. E o padre, “mata o bicho, mata”. Bem, Seu Paulo não se fez de rogado. Levantou-se , foi até o altar, pegou o cálice e bebeu todo o vinho do padre.

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