Dentre todas as explicações (falsas) para a minha saída do Seminário
– além do fato de desmentir enfaticamente a ideia generalizada
de que seminarista sai do seminário por causa de mulher -
as explicações que mais me agradam são duas. Para ser padre naquela
época dos anos 60, o candidato precisava saber cantar
(e muito antes dos padres-cantores-artistas dos dias de hoje),
e jogar futebol. No teste musical com o Padre Gaio fui reprovado vergonhosamente
(agora, por desaforo, canto em um Coral. Mal e parcamente, diga-se).
Quanto a jogar futebol, eu detestava. Talvez porque não enxergava
a bola. Para minha vingança, escrevi esta crônica.
Por que não gosto de futebol
Por causa das constantes e contínuas transmissões de futebol pela TV, em qualquer dia e horário, não respeitando nem o descanso dominical, resolvi decidir pelo desligamento total da máquina de fazer doido. Porém, o que fazer se as opções são mínimas? Procurar um barzinho e tomar umas e outras? Parece não haver neste planeta Terra um único lugar livre das barbaridades futebolísticas. Mesmo assim, resolvo sair de casa, dar umas voltas de carro, com a gasolina ainda politicamente congelada no preço, antes que comece a aumentar mais do que carne em supermercado e o leite das vacas. De tanto rodar, acabei encontrando um local onde se poderia tomar uma cerveja em silêncio. Não vou dizer o nome do bar, senão acabam instalando uma televisão por lá. Não havia nem rádio e nem TV ligados na transmissão de futebol. E mais: alguns respeitáveis homens tomavam tranquilamente sua bebida.
Recebido com reservas pela meia dúzia de gente que havia ali, consegui desanuviar a tensão reinante quando pedi algo para tomar e permaneci em completo mutismo. Foi aí que alguém se acercou de mim.
Não gosta de futebol?
- Detesto – falei em alto e bom som.
Recebi uma salva de palmas maior do que o Lula quando fazia assembleia no ABC.
- Parabéns, parabéns – disseram todos. Pertencemos a um pequeno e seleto clube de detestadores de futebol e reunimo-nos toda vez que tem a satânica transmissão deste jogo. De modo que aqui ficamos conversando amenidades e batendo um papo descompromissado. Seja bem-vindo!
Agradeci, penhorado, a recepção, apesar de curioso.
- Mas, conta para nós, por que não gosta de jogo? - pediu-me um deles.
- Bobagem – desculpei-me.
- Nada disso. Conta.
E eu não me fiz de rogado.
- Quando eu era pequeno, lá em Andrelândia, ainda não havia asfalto nas ruas, e nós, os meninos, jogávamos um futebol com bola de meia de mulher. Em um triste e aziago dia, recebi um corte violento no pé e quase fico sem ele. Daí pra frente não me interessei mais pelo esporte.
- Que pena , disse um. - E diante do mutismo da plateia, foi logo explicando: "Ora, se aqui no Brsil um sujeito que perdeu o dedo virou presidente do País, você sem o pé, seria o Presidente dos Estados Unidos"
Gargalhadas ressoaram altissonntes no bar. Mas, outros começaram falar.
- Que pena , disse um. - E diante do mutismo da plateia, foi logo explicando: "Ora, se aqui no Brsil um sujeito que perdeu o dedo virou presidente do País, você sem o pé, seria o Presidente dos Estados Unidos"
Gargalhadas ressoaram altissonntes no bar. Mas, outros começaram falar.
- Comigo foi mais chato – confessou-me um dos presentes. Fui ao estádio uma tarde levando a minha mais recente namorada. Gostava até do joguinho. E vibrava, gritava e pulava. De repente, sem mais nem menos, a minha ponte móvel cai no chão e não dou por mim. Continuo gritando até que a namorada percebe minha falha dentária. Não adiantou eu ficar procurando pelos dentes que não encontrei. Acabei perdendo a namorada.
Todo mundo ficou triste ao ouvir a história.
- E eu, então? - começou um terceiro. - Meus pais me levaram para um colégio interno quando eu era pequeno. O diretor, para me alegrar, perguntou-me se eu jogava futebol. “Claro, respondi, sou bom de bola”. E ele me escalou no primeiro time. Passei quarenta e cinco minutos sem pôr o pé na dita cuja. Foi um vexame.
- Pior foi comigo – atalhou mais um dos presentes, enquanto sorvia um gole de cerveja. - Além de não relar o pé na bola, aconteceu algo superdesagradavel. Foi na comemoração do aniversário da cidade. Tinha eu naquela ocasião uns oito ou nove anos, e haveria várias partidas de futebol: casados contra solteiros, jovens contra jovens, adolescentes contra adolescentes e meninos contra meninos. Eu estava de chuteira nova, calção novo, tudo novo. E bola perto de mim é que não vinha. De repente, alguém dá um chute tão forte e a bola vem direto na minha cara. Fui derrubado e desmaiei. Não gosto nem de pensar.
- E você – perguntaram os meus novos colegas a um dos presentes que se mantinha calado -, o que lhe aconteceu para não gostar de futebol?
- Não houve absolutamente nada – disse calmamente o homem -, mas o caso é que futebol é um instrumento alienante que o governo utiliza para anestesiar as massas que estão contra a sua política salarial, o arrocho econômico e a dureza de suas vidas. Olha o Primeiro de Maio! Enquanto milhões de trabalhadores estão com fome, faz-se uma rodada dupla, com transmissão pela TV. Não ligo, e não ligo a TV para ver alienação.
- Não se preocupe, não. – cochicharam-me dois novos colegas, um em cada ouvido. - Ele é um líder sindical que não conseguiu uma boquinha no Ministério do Trabalho, dominado pelos pelegos..
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