Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

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segunda-feira, 21 de maio de 2012

Histórias que Minha Avó Contava

Esta é uma das crônicas que publiquei. Tem seu sabor nostálgico.

Histórias que minha avó contava

                Apesar de seus oitenta e tantos anos, e do inseparável e constante cigarrinho, cujas baforadas joga deliciosamente sobre os netos, Maria Nazaré, minha avó, é uma pessoa extremamente lúcida, de invejável memória, de grande religiosidade e de um profundo humor. Resolveu contar-me alguns casos de sua vida, que poderiam deliciar os leitores.
                Há muitos e muitos anos, quando nem estrada havia lá nas profundas das Minas Gerais, a forma mais comum de transporte era o cavalo. O da minha avó era fogoso, forte, bonito e bastante corajoso. Ela o chamava de Neguinho (talvez nestes tempos de politicamente (in)correto seria um absurdo). Ele obedecia à sua voz ou a um pequeno gesto na rédea. Os caminhos que iam da cidade à fazenda eram tortuosos e cheios de barrancos e buracos. Destemida como uma amazonas, lá ia minha avó montada no Neguinho. Chovera naquela tarde, e a lama fazia o cavalo escorregar. De repente, não mais do que de repente, como diria o poeta, o cavalo escorregou no barranco. Embaixo, um buraco de uns quinze metros de fundura. As patas traseiras do animal já estavam abaixo da terra. Com esforço, as dianteiras se mantinham fixas, e assim não caíram, animal e amazona, no escuro buraco. Maria Capoeira, uma vizinha e amiga, que vinha logo atrás, ao ver aquele quase desastre, apelou para a divindade: “Valhei-me Nossa Senhora Aparecida!” E milagrosamente, o cavalo acabou subindo o barranco, e nada aconteceu.
                “Se quiser acreditar, acredita; se não, não precisa ficar rindo”, repreende ao sorriso descrente.
-        Pode contar mais – falo, incentivando-a. E ela não se dá por rogada.
                Outra vez – narra ela, depois de um cigarrinho aceso recentemente -, tinha saído para a cidade, levando o Uizé e a Mariazinha (o Uizé é José), todos muito pequetitos (não sei onde foi arrumar este “pequetito”), e fomos para a casa da Sá Dolores para uma conversa amena e amiga. Já tinha avisado ao Antônio (o meu avô) que estaria de volta à noitinha. E não é que me esqueci do tempo! Quando dei por mim, já estava escuro. Ia de qualquer jeito. “Fica, comadre”, dizia Sá Dolores, “dorme aí com as crianças”. “Não, tenho que ir, tenho que ir.” E lá me mandei, indo pelo Areão. Chegando ao córrego, mandei as crianças tirarem o sapato para a gente atravessar. O vento cortava e fazia barulho, zunindo nos ouvidos. Tínhamos de andar depressa. Nem lua tinha. Tínhamos medo de encontrar algum animal bravo, uma cobra assustada, ou qualquer coisa. As pinguelas também eram um perigo. Chegamos apavoradas em casa. Depois de colocar as crianças para dormir, olhei da janela e vi uma escuridão que nem breu. Aí, então, desmaiei.
-        Essa eu acredito – falei.
            - Ah é? Escuta esta. Morrera uma velha lá em Andrelândia na época do frio. Gelada estava a mulher, com aquele inverno danado, e fomos prepará-la para o enterro. Mas a mulher ficara com os braços duros e não tinha jeito de colocar uma roupa nela. Então, eu fui falando: “Vamos fulana, arrumar para ir à missa. O padre já está esperando. Precisamos ir à igreja” - e o braço da mulher amoleceu, e assim colocamos a roupa direitinho...
            - Credo... não tinha outra melhor?
A minha avó ria do meu medo.
            - Tem mais esta. Uma vez, à tarde, quando tinha ido visitar a comadre Aninha na fazenda lá perto, resolvi voltar sozinha, encurtando o caminho, passando pelo atalho. Para quê... Quando eu estava indo, vieram cinco cachorros bravos, e já iam me atacar quando eu mostrei o terço para eles e falei: “Valhei-me minha Primeira Comunhão.” - E os quatro cachorros ficaram quietos, e eu fui andando.
           - Ei, vó... - ela não me deixou terminar.
           - Tem mais. Fui andando e os cinco cachorros atrás. Quando já estavam para dar o bote, disse novamente, apontando o terço: “Valhei-me minha primeira comunhão”, e os quatro cachorros, “pá” no chão. Quietinhos.
           - Uai, vó, não eram cinco cachorros que estavam atrás da senhora? Só quatro que ficaram quietos. E o quinto? - tinha que pegá-la.
           - Está falando comigo agora – ria a avó, enquanto soltava uma baforada do seu cigarro na minha cara.

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