Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Desventuras de Um Pesquisador


Tempos atrás li que a China iria  fazer um grande recenseamento e que necessitaria de  6 milhões de recenseadores. Um número fantástico, Aqui no Brasil, de anos em anos, o IBGE faz seu recenseamento. No início dos anos 80, escrevi esta crônica bem humorada sobre uma possível entrevista aqui em nosso país.

As desventuras
de um pesquisador
Era a primeira entrevista que iria fazer para o censo, encomendado pelo IBGE, de modo que deveria tomar nota de tudo e fazer uma boa e profunda pesquisa. A casa, escolhida aleatoriamente (para quem não é do ramo, significa ao acaso), era simples, mas condizente com o respeito humano. Tocou a campainha. (Anotou: “campainha”, pois nem toda casa tem uma.) Atendeu um senhor negro já de meia idade.
- O senhor é o dono da casa?
_Mais ou menos- retrucou. –Moro aqui com minha família, mas, como estou pagando a casa para a Caixa, acho que a casa é dela, e não minha.
“Ih!”, pensou com os seus botões. “Já vai começar a confusão.”
-Sou do IBGE, e estamos fazendo uma pesquisa para ver como é a família brasileira.
-Vamos entrar, vamos entrar- convidou o homem, solícito. -Sente-se.
-Obrigado. São quantas as pessoas que vivem aqui?
-Depende. Se for de dia, somos quatro. Se for à noite, são seis. Se for durante o dia e durante a noite, são seis.
-Não estou entendendo.
-Eu já explico “seo” moço. De dia moramos eu, a muiê e dois filhos pequenos. Os outros quatro filhos maiores trabalham em fábricas (quando não estão fazendo greve). À noite, eles vêm para casa, e eu e a muiê saímos para trabalhar: ela, como enfermeira no hospital; eu, como guarda noturno.
-Aqui pede para perguntar sobre a cor da pele, mas não é preciso que eu estou vendo que o senhor é negro. Assim sendo todo mundo é negro.
-Aí que o “seo” mocinho se engana. Eu sou negro, a muié é branca. Uma filha é mulata, igual aquelas das Escolas de Samba do Rio (ah, que delícia!), um filho é moreninho, outro é pardo, dois são pretinhos e um é meio branquinho, que nem a Xuxa.
-E o cabelo?
-O meu é pixaim. Ocê tá vendo. O da muié é liso e meio avermelhado. O da filha é liso, bom e grande. Dos filhos, tem um que é meio louro, outro é pixaim, o outro é liso, um é crespo e o último ainda não sei, porque ele ainda tá novo, novinho mesmo.
-E a religião?
-Bem, nós todos somos católicos. Vamos à missa na época do Natal, no Dia dos Mortos e um ou outro domingo. De vez em quando, damos uma chegada ao centro espírita. Uma ou outra sexta-feira, a gente dá um pulo no terreiro, pois uma macumbazinha de vez em quando até que é bom. A minha filha, a mulatinha, lembra? , ela frequenta uma religião meio japonesa.
-Situação econômica.
-Não é das melhores, né, filho, mas vai-se levando. Juntando tudo, dá para a gente tirar uns trocadinhos por mês. Quem mais ganha é a menina, a mulatinha, que até faz umas horas extras à noite (já proibi, mas ela falou que gosta). O emprego dela é muito bom. O pessoal vem buscar ela de carro. Já pensou?
-Tô pensando... E a escolaridade?
-Eu num tenho estudo. Aprendi na escola da vida. A muié fez até o 2 º ano. Os outros não passaram do 4º ano, menos...
-A mulatinha.
-Isso mesmo. Como é que o senhor adivinhou? Ela ganhou uma bolsa de estudos, mas só tem uma aula por semana, justamente quando o pessoal vem com o carro aqui para levar ela.
-E a cor dos olhos?
-Os meus são pretos. Da mulher, azuis. A filha tem olhos verdes. Os meninos têm olhos castanhos e aquele que tem cabelo de fubá tem também olhos azuis. Ei, onde ocê vai moço? Não vai fazer mais pergunta? Nem anotar nada?
-Não - respondeu o outro. – assim não dá. Cada um tem uma cor de olhos, de cabelo, de religião, de emprego e de escola. Queria ser pesquisador na Alemanha; todos de cabelos louros e olhos azuis.
O IBGE acabou perdendo um pesquisador. Mas, também onde se viu pesquisar no Brasil?

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