Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

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terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Minha, Minha Minas Gerais

"Minas são várias", já disse um poeta. Nascer em Minas é um privilégio. Conhecer Minas é possíel para todos os viventes. Morando no Oeste Paulista - a cidade coincidentemente fundada por um mineiro - , tive uma grande saudade de minha terra, e, aproveitando a nostalgia, escrevi esta crônica.

Minha, minha
Minas Gerais


Há quanto tempo queria falar de ti e não pude! Falar de tuas montanhas, de tuas serras, do teu ouro, do teu minério e do teu ferro, dos teus caminhos tortuosos, mas que nos levam sempre a ti, refúgio dos bandeirantes exaustos, dos romeiros cansados dos emboabas pobres, dos negros luzidios e fugidos. Quero ir ver teus profetas em Congonhas do Campo e conferenciar com eles: ser levado pelas mãos atrofiadas do Aleijadinho, que esculpiram as maravilhas mineiras e as primeiras obras genuinamente brasileiras. Dar o braço ao Mestre Ataíde, pintor renomado, cujos tons vermelhos em suas pinturas ninguém até hoje conseguiu reproduzir, e rir das caras dos seus anjos barrocos, feitos à imagem e semelhança de seus filhos mulatos e bastardos. Quero andar pela antiga Vila Rica, hoje Ouro Preto, ver o
fogo comendo o Morro da Queimada, participar da reunião dos inconfidentes, falar com José Joaquim da Silva Xavier, o líder, discutir com os poetas inconfidentes e ver as suas musas; ir até Mariana, andar pelas ruas tortuosas e tropeçar em suas pedras. Procurar o Caraça, embrenhando-me por mato e trilha virgens, e ver o Seminário, de onde saíram  mineiros tão ilustres. Quero entrar em tuas minas, enxergar na escuridão delas os duplamente mineiros. Pelas asas, de Santos Dumont, que hoje é cidade, quero passear pelas montanhas, sobrevoar seus cumes, ir ao encontro dos morros de 
Saramenha. Visitar a Manchester Mineira (Juiz de Fora), com sua famosa rua Halfeld e seu Museu Mariano  Procópio. Viver ao pé do morro que dá de frente para Governador Valadares. Subir até Montes Claros e, sentir o calor que vem do norte. Passar pelo frio do sul de tuas fronteiras. Ir até os teus zebus no Triângulo. Palmilhar Belo Horizonte, na beleza de seu traçado de cidade  programada.  Viajar pela sacolejante Rede Mineira de Viação, que teimavam em chamar de "Resto de Material Velho" ou "Ruim Mas Vai", passando por cidades bucólicas: Minduri, São Vicente de Minas, Carrancas, Andrelândia, Arantina, Quatis. Atravessar teus córregos e viadutos. Ouvir as serestas em Diamantina e sentir a sensualidade de Xica da Silva. Falar com os personagens de Guimarães Rosa, em Cordisburgo. Fazer o footing na praça mais bonita do interior, em Curvelo, centro  geográfico de tuas terras. Penetrar tuas grutas de Maquine e da Lapinha, e me deparar com Lund discursando sobre o homem pré-histórico. Fazer estátuas de pedras sabão. Tocar nos teus santos barrocos e de "pau oco”; extasiar- me com as melodias de pássaros e bichos na serra do Cipó. Acompanhar Mário Palmério no caminho para o Oeste, no Chapadão do Bugre. Olhar e admirar teus bancos e prósperos banqueiros. Ouvir o Visconde de Barbacena na cidade de seu nome. Ir até Barroso. Perder-me nas ruas tortas e curtas de São João Del-Rei e rezar nas tuas igrejas de ouro. Banhar-me nas águas medicinais de Poços de Caldas e na lama de Araxá, ouvindo os conselhos de Dona Beja. Comer o queijo do Serro. Defrontar-me com o Rio das Mortes, o Rio das
Velhas. Subir o São Francisco e aportar-me em Pirapora. Mergulhar em tuas histórias, de que estão cheias Sabará, Capelinha, Tiradentes, Minas Novas. Sofrer com o calor das usinas de Monlevade e Itabira. Conversar respeitosamente com teus presidentes, governadores e políticos.
Ouvir os conselhos de Benedito Valadares e de Alkimin sobre a difícil arte da política mineira: de não ser nem contra e nem a favor, muito antes pelo contrário. Admirar os Dragões da Inconfidência. Saborear os quitutes de tua cozinha: teu tutu com lingüiça, torresmo e couve verdinha e comer tuas broinhas e pão de queijo. Sentir o cheiro de tuas Casas Grandes e Senzalas. Ver e lamentar os sacrifícios de teus escravos. Chorar as violências cometidas contra ti na Ferrovia dos mil dias, quando rasgaram teu ventre, explodiram tuas entranhas, despedaçaram teus membros. Deixar que penetre em mim o canto dos carros de bois rangendo em  Ibertioga. Subir a Serra da Piedade e rezar diante da imagem da Virgem. Chegar a Três Corações, famosa
pelo "tricordiano" que tínhamos de aprender na escola e pelo garoto-propaganda da Pepsi. Sentir a poluição do Distrito Industrial e o cheiro fétido do Arruda na época das inundações. Ouvir, envaidecido, os poemas de teu poeta maior, Drummond, sonhando sob o teu céu escuro e pontilhado de algumas teimosas estrelas. Ver as plantações de café de Ibiá. Andar perigosamente pela região de Mantena onde se reza: "Em nome do Pai, do Filho e de Minas Gerais" (para não dizer Espírito Santo). Falar com o teu "uai". Ver seus grupos folclóricos como o Aruanda. Jubilar-me no Dia dos Reis, dançando e cantando com a folia. Presenciar tuas lutas contra os invasores. Sepultar teus filhos mortos e insepultos. Sentir o progresso no teu silêncio. Ler teus escritores, para os quais foram criados os "Concursos de Contos", e rir com teus humoristas. Cantar tua música triste e dolente. Ouvir o Coral Renascentista entoando "Peixe Vivo". Passar pela Zona da Mata, Vir até o sul, ir ao Triângulo, ao norte e ao leste. Para qualquer lado que me vire te vejo sempre, Minas Gerais, que procura caminho ou para o mar ou para a liberdade. O mar não o conseguirás, talvez; mas a liberdade tu a tens no coração de teus filhos.















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