Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes
Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Um Conto de Natal Pós Moderno

Já li muitos contos de Natal. Entre os que me marcaram está "Presente dos Reis Magos", escrito por William Sydney Porter. É a história de um casal muito pobre e que se amava muito (Deviam ser recém casados). Ela, linda, de longos cabelos louros. Ele, desempregado. E que tem um relógio de ouro. Mas sem pulseira. Ela, então, resolve vender os próprios cabelos para comprar uma linda pulseira para o marido. Ele, por seu lado, resolve vender o relógio e comprar uma tiara para os cabelos da mulher. Bem, a história não tem um final feliz. Resolvi, então escrever um conto de Natal com final feliz. E inesperado.



CONTO DE NATAL

Foram batidas mesmo na porta. E violentas. A campainha já não funcionava. A Cemig tinha cortado a energia por falta de pagamento. E ele abriu.
- Viemos desalojá-lo por falta de pagamento das prestações da Minha Casa Minha Vida.
- Mas – retrucou ele - , já fui até a Caixa e expliquei tudo. Estou desempregado e o seguro desemprego acabou. Era marceneiro (explicava ele, como se os outros estivessem interessados em sua história), mas a empresa me mandou embora. Os produtos chineses são os culpados. Houve demissão em massa.
- Não temos nada com isto. Viemos só fazer nosso trabalho. O senhor terá que sair.
- Mas – era sempre “mas” que ele usava, sempre explicando (não fora assim com Gabriel que veio lhe trazer a notícia do Menino?) – Mas – continuou – a minha mulher está esperando bebê, por estes dias. Maria ! – gritou ele para dentro do apartamento.
- Sim – respondeu uma menina de uns dezesseis anos, que se aproximou dos homens. Notava-se uma grande barriga.
- O quê???? É a sua mulher? Velho safado, corruptor de menores... Deixa o Estatuta da Criança e do Adolescente saber disto...
- Mas -  lá ia ele de novo explicando.
- Não tem nem “mas”, nem menos. Você, com essa idade, e essa jovem, quase menina ... E ainda com esta barba.... Aposto que é candidato do PT que perdeu as eleições. Ou no mínimo simpatizante...
- Nada disto – atrapalhou-se todo para explicar – Muito pelo contrário. Nem votei no PT. Aliás, votei na...
- Não precisa dizer – precaveram-se – Antes das eleições, até que daria para fazer alguma coisa, mas agora, você tem que sair fora..
- Não posso “sair para dentro”? – começava a ficar irônico
- Hein?
- Nada. E para onde eu vou? Como a minha mulher vai ter nenê?
- Procure o SUS. –
                                   Essas foram as últimas palavras que ele e a mulher ouviram antes de sair daquele minúsculo apartamento daquele distante e imenso bloco residencial inaugurado há tão pouco tempo. Arrumaram suas trouxinhas, o enxoval de bebê (não fizeram nem “chá de bebê”, por isto é que tinham poucas coisas), e se puseram a caminho do hospital a pé. Pois perdera o passe do ônibus e não tinha dinheiro.
- E a Carteira de Trabalho? – foi perguntando, de cara, a recepcionista, mal humorada, enquanto lixava as unhas e arrumava a caixinha onde estava escrito "Contribua para o Natal da Recepcionista".
- A firma ficou com ela.
- Então, sinto muito, não vai dar para interná-la.
- Desde quando precisam de Carteira de Trabalho no Sus ? – além de irônico, começava a ficar agressivo.-  Além do mais, ela vai ter o nenê – maneirou na fala. – O que eu faço?
- Danem-se
                                   Não era bem isto que estava pensando para a mulher, que até o momento se mantivera calada. Ela rompeu o silêncio: Vamos seguir a Estrela Guia e chegaremos a um lugar confortável.
- Ô, Maria, você não vê que com este céu todo sujo e poluído não vamos ver nenhuma estrela? Ainda mais Estrela Guia?
- E aquilo lá, o que é? – disse entre curiosa – própria de uma adolescente – e segura, característica de uma futura mamãe.
 - Oh, santa inocência – retrucou José, já um tanto impaciente. Seria a idade? – aquilo lá é uma árvore gigante de Natal.
                                   A noite demorava a cair, coisa comum nesta época do ano, por causa do horário de verão. Mas no horizonte já se avistavam grossas núvens escuras, um indicio claro de que viria uma chuva forte para molhar a terras e os corações empedernidos dos homens. Foi quando notaram um inusitado movimento na praça. Curiosos, dirigiram-se para lá. Era a Rede Globo filmando cenas de Natal. Ele se aproximou de um homem que estava dando ordens para os atores e figurantes e, apontando para a barriga da mulher, cochichou-lhe algo no ouvido. Este olhou para o velho de barba, a mocinha adolescente, quase menina, o barrigão e... abrindo a boca num largo sorriso, falou:
- Vamos filmar o nascimento de seu filho. Dar-lhe-emos um enxoval, uma caderneta de poupança, um quadro no Fantástico ou no Faustão, quem sabe até no SBT para ajudar o Silvio Santos,  estudo de graça até a Universidade, através do Prouni (se ele chegar até lá – pensou com seus botões – caso não morra antes, assassinado)
- Mas – disse desconfiado, não negando o sangue de seus antepassados mineiros – com tanta esmola o santo desconfia. Até o São José. O que terei de fazer?
- Uma coisinha simples. Você vai indicar um Programa de nossa TV.
- Espero que não seja o Horário Eleitoral Gratuito.
- Nada disto. Preste atenção.
                                   Nos dias seguintes, um senhor barbudo, de mãos grossas, fazia concorrência com o rapaz do Bom Bril e anunciava que:
- Depois que a Rede Globo entrara em minha vida com toda “Passione”, minha mulher fora para o “Araguaia”, onde teve o Menino e onde moramos numa linda casa, ganha no Avião do Faustão. E ... – completara por sua conta e risco: não adianta o Tititi, porque o filho é meu e não do Michael Jackson ou Mick Jagger.

Um comentário: