Fazenda onde nasceu o blogueiro. Foto Luis Fernando Gomes

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quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Abraão existiu?

Este texto já o tinha escolhido bem antes dos acontecimentos tenebrosos em Paris e antes mesmo de eu ver o filme "Exodus, Deuses e Reis". Livros das religiões monoteistas devem ser lidos com respeito, admiração pela beleza do estilo e das histórias. Mas existem furos. E são estes furos que o autor de outro blog coloca. Leiamos.

POR REINALDO LOPES

E lá vamos nós pra mais uma série aqui no blog, idolatrado leitor. Aproveitando o lançamento de mais uma superprodução bíblica, “Êxodo – Deuses e Reis”, dirigida por Ridley Scott e com ninguém menos que Christian Bale (o Báteman!) no papel principal, acho que é bacana mostrar qual é o estado da arte da pesquisa histórica e arqueológica sobre as origens do povo de Israel.
Antes do “prato principal”, que é Moisés, o Êxodo e a conquista da Terra Prometida, bem como o suposto papel de Moisés ao escrever os primeiros livros da Bíblia, vamos recuar um pouquinho (ou um “poucão”; são vários séculos, na verdade) no tempo e tratar da historicidade do homem que seria o ancestral de todo o povo de Israel (e também dos árabes, segundo a tradição), o primeiro monoteísta, o Pai dos Fiéis: Abraão. Temos boas razões para aceitar que Abraão é um personagem histórico cuja vida, conforme relatada na Bíblia, aconteceu mais ou menos daquele jeito mesmo?
Resposta curta: não dá para saber. Mas a resposta comprida é interessante e complexa. Vamos a ela.
Só que antes, um parêntese: não estou aqui para contradizer quem, pela fé, acredita em todas as narrativas sobre Abraão que constam da Bíblia. A nossa pergunta aqui é diferente: até que ponto é possível checar essas histórias usando a investigação histórica independente, isto é, que quer apenas verificar os fatos, sem o objetivo de derrubar a fé ou de defendê-la. Beleza?
VIAJANTE DA IDADE DO BRONZE
Com base na cronologia bíblica, calcula-se que Abraão teria vivido em torno dos anos 2000 a.C. e 1800 a.C., bem no meião da Idade do Bronze. Nomes parecidos com o dele — como “Abi-ramu” foram identificados em contratos babilônicos da época, então de fato se trata de um nome típico do Oriente Próximo da época. Outro fato plausível a respeito do patriarca hebreu é que, tal como se conta a respeito dele, de fato há relatos sobre nômades da Mesopotâmia viajando entre entre o atual Iraque e o atual território israelense-palestino nessa época.
Outro pequeno detalhe a favor da historicidade do personagem é o fato de que a tradição oral de um grupo muitas vezes acaba preservando alguns fatos sobre a vida de um ancestral famoso (como ele, claro) e que os israelitas não teriam muitos motivos para inventar um antepassado que chegou à terra deles como um viajante, e não como alguém que sempre morou lá, já que isso tornaria a posse da terra por parte deles algo teoricamente mais precário. Se eles contavam essa história, é porque devia haver algum fundo de verdade nela, segundo alguns especialistas.
Bem, esse é o lado pró-historicidade de Abraão do debate. A partir de agora começam os problemas, e são muitos.
O primeiro, óbvio, é que não há nenhuma referência contemporânea direta a Abraão (ou a Isaac, ou a Jacó) fora da Bíblia. Ninguém dos povos vizinhos dos patriarcas sabia coisa alguma a respeito dele. Isso não necessariamente é um problema, óbvio — eles eram apenas chefes tribais de pouca monta, segundo diz o texto bíblico, então não tem porque os reinos poderosos da região falarem deles.
ESQUISITICES BÍBLICAS
Por incrível que pareça, é o próprio texto da Bíblia que lança mais dúvidas sobre a existência histórica de Abraão e sua família, na verdade. O motivo pode ser designado por uma única palavra: anacronismos.
Explico. Se o que se conta sobre Abraão e companhia é um relato histórico confiável e preciso, e não uma tradição lentamente modificada pela passagem do tempo, deveríamos esperar que o texto retratasse de forma correta como era o mundo do Oriente Médio por volta de 2000 a.C. Só que não é isso o que acontece nas narrativas do Gênesis.
Para citar três pontos bem fáceis de captar:
1)Tanto Abraão quanto seu filho Isaac têm relações diplomáticas, digamos, com governantes filisteus. Só que o povo filisteu só chegou à Palestina, na verdade, séculos depois da era dos patriarcas, por volta de 1200 a.C. Ooops.
2)As narrativas estão cheias de referências a caravanas de camelos (melhor dizendo, dromedários, mas camelo é o termo genérico). Só que os camelos só foram domesticados séculos depois de Abraão, mais uma vez.
3)Os textos da época patriarcal também falam do comércio de essências e especiarias, como bálsamo e mirra. Outro problema, já que esse tipo de comércio só se consolidou bem depois do ano 1000 a.C.
Esses detalhes podem parecer bobagens, mas o que eles deixam claro é que a narrativa foi escrita muito, mas muiiiito tempo depois da época de Abraão, o que obviamente solapa sua confiabilidade histórica.
Mas talvez o ponto mais importante é o fato de que os mesmíssimos incidentes da narrativa parecem se repetir diversas vezes na vida do mesmo personagem, e às vezes na vida de dois personagens diferentes. Tem o problema da esterilidade das matriarcas (Sara, Rebeca e Raquel), que segue sempre mais ou menos o mesmo padrão; tem o fato de que, mais de uma vez, Abraão visita um local com Sara, finge que a esposa é sua irmã, o rei local cobiça a mulher e quase a toma por esposa, descobrindo a verdade no último minuto (aliás, essa mesma história também acontece no caso de Isaac).
Esses detalhes não fazem muito sentido se aquilo é uma narrativa histórica, factual — quer dizer, quais são as chances de essa cena esquisita com a esposa-irmã acontecer tantas vezes do mesmo jeito? Mas faz bastante sentido se aquilo são narrativas folclóricas contadas sobre um ancestral distante e semilendário.






domingo, 25 de janeiro de 2015

Sabedoria do Silêncio Interno - Texto Taoista.

Nada como se deparar com belos textos e de origem tão diversa. Há muito ensinamento para aproveitarmos. Hoje segue algumas ideias taoistas. Mas, afinal, o que é o Taoismo?

O taoísmo, também conhecido como Daoísmo, é uma religião surgida na China do século II (durante a dinastia Han) e originária de umafilosofia oriental, muito valorizada pelo confucionismo, conhecida como Tao (caminho). A origem do componente filosófico do taoísmo é atribuída ao filósofo chinês Lao Tse, que viveu no século VI a.C. 


Aspectos da filosofia taoísta:

- A sabedoria do Tao (caminho) é a única fonte do universo;

- A vida é regida por dois elementos (dualismo): yin (feminino) e yang (masculino). Estas duas forças se complementam e não podem existir uma sem a outra.

- As atitudes humanas devem estar sempre de acordo com a natureza;

- O ser humano deve buscar o equilíbrio do corpo e deste com a natureza;

- O ser humano deve buscar o desprendimento do mundo material, não devendo desejar nada. De acordo com o taoísmo, quando um desejo é satisfeito, outro aparece em seu lugar.



Vamos ao texto
Pense no que vai dizer antes de abrir a boca. Seja breve e preciso, já que cada vez que deixa sair uma palavra, deixa sair uma parte do seu Chi (energia). Assim, aprenderá a desenvolver a arte de falar sem perder energia.
Nunca faça promessas que não possa cumprir. Não se queixe, nem utilize palavras que projetem imagens negativas, porque se reproduzirá ao seu redor tudo o que tenha fabricado com as suas palavras carregadas de Chi.
Se não tem nada de bom, verdadeiro e útil a dizer, é melhor não dizer nada. Aprenda a ser como um espelho: observe e reflita a energia. O Universo é o melhor exemplo de um espelho que a natureza nos deu, porque aceita, sem condições, os nossos pensamentos, emoções, palavras e ações, e envia-nos o reflexo da nossa própria energia através das diferentes circunstâncias que se apresentam nas nossas vidas.
Se se identifica com o êxito, terá êxito. Se se identifica com o fracasso, terá fracasso. Assim, podemos observar que as circunstâncias que vivemos são simplesmente manifestações externas do conteúdo da nossa conversa interna. Aprenda a ser como o universo, escutando e refletindo a energia sem emoções densas e sem preconceitos.
Porque, sendo como um espelho, com o poder mental tranquilo e em silêncio, sem lhe dar oportunidade de se impor com as suas opiniões pessoais, e evitando reações emocionais excessivas, tem oportunidade de uma comunicação sincera e fluida.
Não se dê demasiada importância, e seja humilde, pois quanto mais se mostra superior, inteligente e prepotente, mais se torna prisioneiro da sua própria imagem e vive num mundo de tensão e ilusões. Seja discreto, preserve a sua vida íntima. Desta forma libertar-se-á da opinião dos outros e terá uma vida tranquila e benevolente invisível, misteriosa, indefinivel, insondável como o TAO.
Não entre em competição com os demais, a terra que nos nutre dá-nos o necessário. Ajude o próximo a perceber as suas próprias virtudes e qualidades, a brilhar. O espírito competitivo faz com que o ego cresça e, inevitavelmente, crie conflitos. Tenha confiança em si mesmo. Preserve a sua paz interior, evitando entrar na provação e nas trapaças dos outros. Não se comprometa facilmente, agindo de maneira precipitada, sem ter consciência profunda da situação.
Tenha um momento de silêncio interno para considerar tudo que se apresenta e só então tome uma decisão. Assim desenvolverá a confiança em si mesmo e a Sabedoria. Se realmente há algo que não sabe, ou para que não tenha resposta, aceite o fato. Não saber é muito incómodo para o ego, porque ele gosta de saber tudo, ter sempre razão e dar a sua opinião muito pessoal. Mas, na realidade, o ego nada sabe, simplesmente faz acreditar que sabe.
Evite julgar ou criticar. O TAO é imparcial nos seus juízos: não critica ninguém, tem uma compaixão infinita e não conhece a dualidade. Cada vez que julga alguém, a única coisa que faz é expressar a sua opinião pessoal, e isso é uma perda de energia, é puro ruído. Julgar é uma maneira de esconder as nossas próprias fraquezas.
O Sábio tolera tudo sem dizer uma palavra. Tudo o que o incomoda nos outros é uma projeção do que não venceu em si mesmo. Deixe que cada um resolva os seus problemas e concentre a sua energia na sua própria vida. Ocupe-se de si mesmo, não se defenda. Quando tenta defender-se, está a dar demasiada importância às palavras dos outros, a dar mais força à agressão deles.
Se aceita não se defender, mostra que as opiniões dos demais não o afetam, que são simplesmente opiniões, e que não necessita de os convencer para ser feliz. O seu silêncio interno torna-o impassível. Faça uso regular do silêncio para educar o seu ego, que tem o mau costume de falar o tempo todo.
Pratique a arte de não falar. Tome algumas horas para se abster de falar. Este é um exercício excelente para conhecer e aprender o universo do TAO ilimitado, em vez de tentar explicar o que é o TAO. Progressivamente desenvolverá a arte de falar sem falar, e a sua verdadeira natureza interna substituirá a sua personalidade artificial, deixando aparecer a luz do seu coração e o poder da sabedoria do silêncio.
Graças a essa força, atrairá para si tudo o que necessita para a sua própria realização e completa libertação. Porém, tem que ter cuidado para que o ego não se infiltre… O Poder permanece quando o ego se mantém tranquilo e em silêncio. Se o ego se impõe e abusa desse Poder, este converter-se-á num veneno, que o envenenará rapidamente.
Fique em silêncio, cultive o seu próprio poder interno. Respeite a vida de tudo o que existe no mundo. Não force, manipule ou controle o próximo. Converta-se no seu próprio Mestre e deixe os demais serem o que têm a capacidade de ser. Por outras palavras, viva seguindo a via sagrada do TAO.
(Texto Taoísta)

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Você sabe com quem está falando?

Vira e mexe "otoridades" regurgitam tal pergunta diante outra "otoridade" ou mesmo de cidadão comum (recentemente tivemos no Brasil, vários exemplos disto). Mas se alguém lhe fizer esta pergunta pense no artigo de hoje. E você verá que é ridículo dar confiança a este questionamento.


Você sabe quem é você?

Marcelo Vitorino – Site Mais de 30.

Poucas vezes na minha vida alguém tentou me intimidar dizendo algo “Você sabe com que está falando?”, mas em todas tive vontade de rir, pois, ao menos para mim, ficou claro que estava falando com alguém que não fazia a menor ideia de quem era.

Vou te fazer uma pergunta e quero que pense na resposta com muita sinceridade: você sabe quem é você?
Eu sei, a resposta óbvia tem a ver com o nome que te escolheram, com o cargo que ocupa transitoriamente, ou ainda algo que te vincula a alguém. Todas as respostas, apesar de corretas, não o levarão aonde quero chegar.
Minha pergunta se refere a você, não ao que fizeram de você. Entende a diferença?

Desde os seus primeiros passos o mundo passou a te transformar.
Foi assim que você aprendeu que não deve colocar os cotovelos em cima da mesa durante o jantar, que ter uma roupa bacana ou um celular do último modelo te farão parecer um vencedor, que você precisa de um emprego que garanta o teu sustento mesmo que não goste dele, que as pessoas têm inveja do seu sucesso e que para viver melhor você deve ter orgulho dos seus feitos, mas ostentá-los com prudência para não parecer arrogante.
Já pensou como você seria se não tivesse tido tanta influência do seu meio? Melhor ainda, já pensou em como você, por necessidade, medo ou falta de bom senso pareceu idiota, agindo como um idiota, em diversas situações? Acredite em mim, não foram poucas ocasiões.
Se eu ficasse devendo um real para cada vez que me portei mal, com certeza, estaria mais endividado que a Argentina nesse momento.
Nem chamando a ajuda de um matemático experiente conseguiria contabilizar a quantidade de vezes que agi como um idiota. Me impus muito mais do que o necessário em muitas ocasiões, ora por necessidade, ora por medo e também, mais recentemente, por costume.
A vida é dura?
A justificativa para minhas atitudes era muito simples: a vida é dura.Se eu desse mole, seria passado para trás.
Não posso dizer que a vida me deu moleza, mas mesmo nas vezes em que achei estar comendo o pão que o diabo amassou, ao me distanciar um pouco das questões percebi que ao menos havia manteiga nele!
Com o tempo notei que quase todo mundo com que eu lidava passava por algum tipo de problema ou desafio no mesmo momento que eu. Confesso que me senti mais confortável ao ver que o universo não tinha feito um plano específico para me testar.
A vida foi seguindo até que um dia comecei a reparar na maneira em que cada pessoa lidava comigo. Ficou evidente que havia uma divisão bastante situada em extremos: eu era visto como polêmico. Quem me conhecia mais nutria admiração, quem me conhecia menos nutria aversão.
Claro que poderia continuar no mesmo caminho, minhas perdas e ganhos estavam equilibradas, mas o problema é que senti que essa percepção era a ponta de um icebergue.
Comecei o questionamento sobre as origens dessa “imagem”, fiz um caminho mental elencando as situações que marcaram minha vida e a forma com que elas me mudaram. Cheguei em uma conclusão bastante indigesta: eu vendi um “eu” diferente de mim. De tanto vender, me acostumei e passei a comprar!
Se soltar da armadura criada pelas porradas que a vida dá parece ser uma coisa fácil, mas não é. Quando menos espera você age como um viciado e tem momentos de idiotice. É confortável agir usando uma proteção, dentro da zona de conforto.
Retornar à sua essência lhe dará a sensação de fragilidade, de exposição, contudo, as consequências dessa mudança de atitude tendem a ser muito positivas. A vida ficará mais leve, mas fácil.
Se você entender que muita gente deixou de ser quem era para vender uma imagem, começará a entender que a maior parte dos conflitos interpessoais são desnecessários, são apenas pessoas que, assim como você, podem estar defendendo territórios imaginários e usando máscaras para tornar a vida mais segura.
Já que chegou até aqui, faça um exercício quando acabar de ler esse artigo: lembre-se da sua última discussão ou divergência, das suas atitudes e reflita se você não poderia ter agido melhor, menos desarmado, mais aberto ao que o outro tem a dizer.
Pouco importa se você é Fulano de Tal Oliveira Neto, está presidente da república ou é cunhado do Papa, se não sabe quem é de verdade, você não é alguém, é uma sombra ou um reflexo naqueles espelhos de parques de diversão.



segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Por um ano mais offline


Como ainda estamos em Janeiro, nada como pensar em novas ideias e ou mudanças para o ano.
 Além de falar sempre em “Pequeno Guru” (ótimo site), posto textos dele. Gosto muito. O de hoje é sobre a tecnologia. O excesso da mesma atrapalhando a nossa vida e a dos outros. E começa com uma frase lapidar, escrita há quase duzentos anos.

“Homens se tornaram ferramentas das suas ferramentas.” (Thoreau)

Eudaimonia é a estranha palavra de origem grega que talvez mais se aproxime do verdadeiro sentido da felicidade. Literalmente, eudaimonia significa “bom espírito”, mas nos dias atuais costuma ser traduzida mais como “felicidade” e “bem-estar”. Ela é o oposto da hedonia, de onde vem o hedonismo, que é a busca constante pelo prazer. O objetivo de ambos é encontrar a felicidade, mas a forma como buscam é o que os diferencia.
Da perspectiva da psicologia moderna, pessoas com motivações hedonísticas trabalham para conseguir coisas (carro, casa, roupas de marca, eletrônicos), enquanto os eudaimônicos buscam objetivos mais subjetivos como crescimento pessoal, contribuição para comunidade e relacionamentos mais valiosos (criar blog  está neste item). No mundo perfeito, a eudaimonia é o que devemos buscar, é ela que trará a felicidade mais duradoura e encherá a vida de significado.
Mas como praticá-la em um mundo cada vez mais materialista e superficial? Minha sugestão: eliminando o desnecessário. Bruce Lee deu o caminho ao dizer que a vida é um decréscimo diário, não o contrário. No entanto, vivemos exatamente o oposto, graças à tecnologia. A cada dia surge um novo gadget que vai mudar a vida das pessoas, uma nova rede social, um aparelho mais fino, mais leve, mais colorido que fazem as pessoas desejarem. Esse prazer efêmero, hedonista, não é o que faz as pessoas felizes. Quer dizer, elas ficam empolgadas por um tempo com uma dose cavalar de dopamina no organismo, mas é bom lembrar que quanto melhor a viagem, pior a volta. Logo, é preciso ir atrás de uma nova fonte de prazer, criando um ciclo difícil de satisfazer por completo.
O meu pedido para 2015 é um ano mais offline. Confesso que tenho medo de onde o mundo vai parar se continuar nesta direção. As pessoas estão vivendo a vida dos outros pelas redes sociais, perdendo sua identidade, ao passo que nutrem emoções ruins como inveja e raiva em direção aos outros. O Facebook é ótimo para isto.  Com o intuito de registrar o momento, elas estão deixando de vivê-lo. Sebastião Salgado, uma lenda da fotografia nacional, chamou de “agressividade” o comportamento das pessoas com seus “selfies” em sua exposição, ele se sentiu forçado a ir para casa mais cedo. No momento em que o simples ato de tirar uma foto incomoda o outro (a ironia é que ele é fotógrafo), esse é o momento de dizer “peraí, precisamos repensar isso”. E não é só selfie.  Este ano atores fizeram campanha contra o uso do celular em teatros porque a luz de uma tela de 5 polegadas em uma plateia totalmente escura deve atrapalhar um “pouquinho” o trabalho dos atores. É difícil acreditar que alguém pagou para ver uma peça, e ganhou uma conversa no Whats. Tem sido assim nas academias, nos cinemas, em bares e onde mais você reparar. A propósito, garçons precisam decorar além dos cardápios, a senha do WiFi, ai de quem não souber!
Desejo um ano em que poderei tomar umas cervejas, entre uma partida e outra de videogame, sem meu amigo pegar o celular de 2 em 2 minutos. Um ano em que, ao chegar em casa, não precise compartilhar a mulher da minha vida com seus 1.300 amigos do Facebook e suas infinitas postagens na timeline. Ah, timeline… é como o Anel de Sauron do mundo digital que abstrai a pessoa do mundo. Como pode algo que não tem fim ser bom? Recentemente, ao sair do cinema, vi um homem checar sua timeline antes de passar pela saída da sala. O que havia de tão especial que ele não podia esperar 30 segundos?
Gostava da época em que casais conversavam no jantar, pacientes liam revistas velhas enquanto aguardavam a consulta e crianças brincavam com brinquedos feitos para elas. (Eu presenciei mais de uma vez marido e mulher  na sala de estar, e eu como visita, ficar teclando seus celulares, entretidos, enquanto eu ficava a ver navios. O casal se separou).  As coisas costumavam ser menos fáceis, mas tenho certeza que eram mais felizes. Havia menos divórcios, as pessoas observavam mais, conversavam mais olhando nos olhos e metade das mulheres faziam mais sexo (segundo um estudo, elas preferem ficar um mês sem sexo do que sem celular). Pode-se dizer que elas viviam o momento. Infelizmente, esse não é mais o mundo que vivemos.
Por favor, não me leve a mal. Eu não sou um velho, careta que não se adapta às modernidades. Eu também tenho um smartphone que mal cabe no meu bolso, mato a saudade dos amigos e da família pelo WhatsApp, publico algumas fotos no Instagram e interajo com meus leitores pelo Twitter, eu apenas não faço deles o meu modo de viver. Confesso que sou um pouco old school; tenho um olhar crítico com cada avanço tecnológico e abro mão de tudo aquilo que vai tornar a minha vida mais cheia e complexa. Tecnologia existe para tornar a nossa vida melhor, não pior. Esse é um critério que serve para tudo na vida.
Agora é um bom momento de exercer um olhar crítico na forma como você conduz a sua vida. Se você usa Facebook, é bem possível que esteja perdendo um tempo precioso nele. Muitos grupos de WhatsApp não acrescentam nada de bom e se você quer um motivo mais racional, ambos estão consumindo a maior parte do espaço do seu smartphone. (Fora possíveis brigas entre casais por causa de mensagens no  WhatsApp).
Seja como for, a vida é feita de escolhas. Os filósofos gregos nunca chegaram a um consenso sobre qual o caminho ideal para a felicidade. Mas a ciência tem conseguido mapear alguns pontos-chave e um deles é o valor da interação social real e do crescimento pessoal.
Na busca pela felicidade, há o caminho fácil e o difícil, o imediato e o duradouro, ambos levam a lugares diferentes e dependem das prioridades que você estabelece e dos hábitos que pratica. Infelizmente, Aristóteles não conseguiu. Não tinha ideia que um dia ia surgir uma coisa chamada celular para atrapalhar todas as suas teorias.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

NÃO TE TORNAS RESPONSÁVEL POR NENHUMA EXPECTATIVA ALHEIA



Gerações e gerações de leitores do Pequeno Príncipe foram influenciadas pela frase tão bonita: "Tu te tornas eternamente responsável pelo que cativas". O autor deste texto vem na contramão e propõe tirar este peso de nossas costas. Leiam e pensem no assunto.  Descostumado ao tratamento de "tu", achei estranho o seu uso.
ANDRÉ J. GOMES.


 "Escreve aí em teu caderno. “Eu sou livre!”. Só para lembrar. Tu bem sabes, mas não custa repetir. Amar não é ter posse sobre ninguém. Quando te sentires escravizar, manda às favas! Assim, simples, direto e com toda a força. Fecha teus olhos, respira fundo e manda embora todo aquele, aquela e aquilo que te faz mal. Não carece verbalizar, repetir, soletrar em voz alta, gritar e essas coisas tão deliciosas. Diga a ti mesmo, esculhamba o opressor aí dentro primeiro. Aperta o botão vermelho, dá de ombros, dá as costas e vai em frente para longe dessa lama doentia.
Por que carregar esse peso, hein? Para onde? Vai valer de quê? A vida é uma viagem e a mala dos outros não te cabe. Despacha. Expulsa. Demite. Tu és livre, criatura! A maior concentração de idiotas por metro quadrado do mundo está aí mesmo, ao teu redor. Repara. Observa. Tem sempre um cretino por perto, cada vez mais próximo, exalando sua incrível capacidade de invadir o espaço alheio e um hálito estranho a tuas entranhas. Se vacilas, descuida, cochila e permite sem querer uma só aproximação, logo ele terá cravado os caninos em teu pescoço. Estará pendurado em ti, no pleno e livre exercício de seu parasitismo.
Rejeita. Escapa da areia movediça das relações doentias. Percebe o quanto tu, criatura divina que um dia foi amada com honestidade sob a forma de um bebê inocente, frágil, corre agora o risco de ter a vitalidade sugada por um espírito miserável, patológico e paranoico, povoado de expectativas unilaterais. Não te obrigues a agradar quem quer que seja antes de te contentares. Não te encantes com ninguém antes que um amor louco por ti mesmo fortaleça tua alma e dê sentido a cada santo dia.
Acredita. Tu haverás de amar honestamente só aqueles que mereçam o privilégio. Teus amigos, tua família, tua gente e olhe lá. Esses estarão contentes com o quinhão de amor e dedicação que tu lhes der, seja qual for o tamanho disso. Ao resto, tu deves nada, nada! Quanto àqueles que não entenderem, que se danem! Danem-se com todas as letras e ferros. Porque a nós nada está garantido mesmo senão a danação absoluta. E se te permitires afagar o ego de outro antes de mais nada, está escrito que também irás te danar mais cedo!
Manda longe aqueles que te “amam” sob a condição de que faças exatamente o que de ti esperam. Porque se ousares fazer diferente, se te atreveres a seguir tua própria vontade, sem nada conceder ao capricho alheio, rapidamente te odiarão com a mesma fúria com que hoje te adoram.
Desiste. Desiste de agradar a Deus e todo mundo. Afaga antes a ti mesmo e, se Deus quiser, o mundo todo será teu. Então poderás escolher o que queiras dele e a ele devolver o que puderes.
Cuidado com quem te cobra coerência, perfeição e generosidade. Atenção a quem te julga egoísta por valorizares a vida que te foi dada. Geralmente, é um cínico despejando em ti os defeitos que não suporta saber em si mesmo.
Olho vivo na turma do olho gordo, tão boazinha e viciada em sentir pena dos outros para disfarçar e esquecer sua própria miséria.
Evita, evita descaradamente os santinhos e sanguessugas dissimulados, entregues a sua corrida de lesmas. Tu não precisas provar nada a ninguém, não deves nada além das contas que pagas a tão duras penas, nada senão respeito a toda e qualquer criatura honesta que viva sua própria vida e não atrapalhe a dos outros.
Corre. Corre o mais rápido que puderes das malditas expectativas, as suas e as alheias. Expectativas são bichos não domesticáveis, aranhas peludas de mil pernas, escravizando suas vítimas em teias de preconceito para devorá-las no mingau gelado da frustração. Melhor é criar filhos, cachorros, gatos e lembranças.
E sobretudo perdoa. Aprende a perdoar quem te ataca em tua mais óbvia fraqueza: tu és nada além de um ser humano cheio de falhas que ora carece de companhia, ora anseia por solidão. Mas não te esquece: perdoa, sai de perto e segue em frente. Porque o perdão é a tua liberdade com outro nome.
Reconhece então tua fraqueza e cai no sono sem culpa. Quando acordares, serás ainda a mesma criatura imperfeita de sempre, mas terás mais força que nunca para seguir correndo. Em frente, atrás, de lado, não importa. Só o que ainda vale de tudo isso é o puro e simples movimento. Dispensa o peso. Manda embora. Liberta-te. Levanta e voa!

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Entrevista (ficcional) com Millor Fernandes.

Meu amigo e colega no mundo blogueiro Etelvaldo, que junto com a Graça criou o wwwbbcr.blogspot.com.br , teve uma brilhante ideia ao elaborar um diálogo fictício com o Millor Fernandes, cujas respostas são aforismos ou ideias engraçadas e inteligentes do grande humorista. Degustem, riem e também levem a sério.


P = Primeiro, à moda dos testemunhos em julgamentos, promete dizer a verdade, somente a verdade e nada mais que a verdade?
R = Quem pede pra contar toda a verdade já está me exigindo uma mentira.

P = Para os desavisados, quem é você?
R = Millôr Fernandes, jornalista amador, que só recebe por fora e não agride a camada de ozônio.

P =Com tanto escândalo sob investigação, parece é que não vai faltar trabalho pros advogados este ano.
R = A advocacia é a maneira legal de burlar a Justiça. A notoriedade do advogado de defesa aumenta na medida em que faz voltar à circulação, com atestado de homens de bem, os piores assassinos, ladrões e contraventores.

P = E a corrupção? Vai dar jeito este ano?
R = Muita gente que fala o tempo todo contra corrupção está apenas cuspindo no prato em que não conseguiu comer.

P = Epa! Juro que a carapuça não me serve...
R = Também penso: Já que não podemos repartir melhor a riqueza, pelo menos devemos democratizar a corrupção.

P = Com tanta operação da Polícia Federal contra esquemas de corrupção, qual o seu conselho para um possível corruptível?
R = Se você não tem cobertura prum bom golpe, o melhor é ser honesto.

P = Como classificar a corrupção em nosso país?
R = A corrupção no Brasil não é mais um problema social ou ético. É matemático. O único país do mundo com 110% de corrupção.

P = A presidenta defende a ideia de se realizar um plebiscito para uma reforma política. Tem alguma sugestão de plebiscito?
R = Você é contra ou a favor da legalização da corrupção?

P = Acho que a corrupção vem muito (c/débito e haver) dessa relação incestuosa entre políticos e empresas, notadamente as empreiteiras. Estou certo?
R = Com esses contratos entre o governo e as empreiteiras o Brasil inovou mais uma vez. Não temos assaltantes de estradas; temos estradas de assaltantes.

P = Fechando este quadro, boas notícias para o Ano Novo?
R = Boas notícias, afinal. Nos últimos seis meses não houve nenhum aumento de corrupção na área estatal. Continuamos nos mesmos 100%.

P = Vamos falar um pouco da política e dos políticos.
R = Esses políticos todos andam tão ocupados com salvar o país que nem têm tempo de ser honesto.

P = Mas a nossa classe política é formada por profissionais.
R = Político profissional jamais tem medo do escuro. Tem medo é da claridade.

P = Como anda o Congresso Nacional?
R = No Congresso Nacional uma mão suja a outra.

P = O quadro é tão dramático assim?
R = A corrupção anda tão generalizada que já tem político ofendido ao ser chamado de incorruptível.

P = Quer aproveitar o espaço e dar uma indireta para alguém que está no Poder?
R = O máximo de habilidade político-econômica é a desses caras que se locupletam no capitalismo entrando pela esquerda.

P = Com tanto escândalo no mundo político, com tanta corrupção, qual a alternativa que nos resta?
R = Agora, que todas as ideologias falharam, só nos resta a cirurgia plástica.

P = Com o novo mandato, teremos uma reforma ministerial. Qual a sua avaliação?
R = Não chega a ser uma reforma ministerial; apenas mudança de cúmplices.

P = Como está o ar de Brasília?
R = A corrupção em Brasília, já diagnosticada como cleptomania, atingiu agora seu ponto mais alto; desapareceu até a umidade relativa do ar.

P = Já que você insiste nesta tecla da corrupção, vamos associá-la de vez ao seu princípio e ao seu fim, o dinheiro. Tem hora que você diz uma coisa, tem hora que diz outra. Está bem, já que você duvida daqueles que mantêm o mesmo ponto de vista por mais de uma semana. Mas você disse que o dinheiro é tudo na vida. Quer dizer, então, que as pessoas devem correr atrás do dito cujo?
R = O dinheiro compra o cão, o canil e o abanar o rabo. O dinheiro fala e também manda calar a boca. O dinheiro é a mais perversa das invenções humanas. O dinheiro é tudo. Ele é a fonte de todo o bem. Faz dentes mais claros, olho mais azul, amplia a dignidade individual, aumenta a popularidade, produz amor e paz espiritual e, quando tudo falha, paga o psicanalista.

P = Falando em dinheiro, não tem como deixar de falar dos banqueiros.
R = Os banqueiros não perdem por esperar. Ganham. Já o governo faz muito bem em proteger os banqueiros. Quando um banqueiro ganha mais 100 milhões, automaticamente, pelas estatísticas, todo o nordestino aumenta o seuper capita.

P = Agora sobre o Brasil, uma coisa boa é reconhecer que Deus é brasileiro, não é mesmo?
R = Está bem. Deus é brasileiro. Mas para defender o Brasil de tanta corrupção só colocando Deus no gol.

P = Mas o Brasil é um país grandioso, imenso.
R = Eu sei. O Brasil tem oito milhões de quilômetros quadrados. Mas tirem isso, e o que sobra?

P = Está claro que o país necessita de reformas, mas isso vai doer de alguma forma. Existe uma alegoria que possa amenizar isso?
R = Para pregar um prego sem machucar o dedo basta segurar o martelo com as duas mãos.

P = Um diagnóstico definitivo sobre o país.
R = O Brasil está cada vez mais cheio de pobremas.

P = Às vezes eu fico desanimado com tanta canalhice em nosso país. Canalha tem conserto?
R = Canalhas melhoram com o passar do tempo (ficam mais canalhas).

P = Millôr, eu pago pra ver nosso país tomar jeito.
R = Ver para crer é um conceito totalmente hermético para os cegos.

P = Muita coisa precisa ser mudada no país.
R = É, há muita coisa a ser mudada, mas não se pode mudar tudo. Daqui a milhares de anos a coisa mais confortável pra gente se sentar ainda vai ser a bunda.

P = Quer dizer que você é um otimista?
R = Parece que o negócio do Brasil agora é desconfiar de Deus e tirar o pé da tábua.

P = Mas, depois de tudo, você vê uma saída para o país, uma luz no fim do túnel?
R = No meio da falta de hierarquia, corrupção e anarquia, descobriu-se dramaticamente que não há luz no fim do túnel. Na verdade, nem criaram o túnel.

P = Para que não fique com a pecha de mal-humorado, vamos falar de amenidades, encaixando uma coisa ou outra nos prognósticos para o ano que se inicia. Vamos lá? Primeira questão: o que tem a dizer sobre a juventude de hoje?
R = Não é em tudo que estou de acordo com a juventude. Agora, essa permissividade, essa revolução sexual, não sei não, mas é uma coisa que me interessa muito.

P = Coisa engraçada é ver como moças cheias de graça se engraçam por pessoas não tão engraçadas, para não dizer feias. Isso vai continuar?
R = Burro carregado de ouro é cavalo de raça.

P = Agora, uma pergunta de meu interesse: a gente aprende algo com a vida?
R = Uma coisa a vida ensina – a vida nada ensina.

P = Algum segredo para o rejuvenescimento, além de plástica e botox?
R = Só existe uma maneira segura para remoçar: é andar sempre com pessoas vinte anos mais velhas do que você.

P = Puxando a brasa pra minha sardinha, ou puxando a sardinha pra minha brasa (pra falar a verdade, até hoje não sei como dizer): o que pensa dos mineiros?
R = Um mineiro nunca é o que parece, sobretudo quando parece o que é.

P = Melhor confissão de ateísmo.
R = Se Deus me der força e saúde, hei de provar que ele não existe.

P = E a fé?
R = Com fé você vence. Sem fé, você passa para trás os que venceram.

P = Qual o argumento para provar que a mulher é necessária na vida do homem?
R = Todo homem precisa de uma mulher porque tem sempre uma coisa ou outra da qual realmente não se pode culpar o governo.

P = No fundo e a bem da verdade, o que vem a ser amor à verdade?
R = Chama-se de amor à verdade a nossa permanente tendência a descobrir defeitos nos outros.

P = As pessoas cada vez mais se apegam a seus animais de estimação. Você admira algum animal?
R = O camelo: é um animal que, depois de ficar dias sem comer nem beber, consegue passar pelo fundo de uma agulha, e entrar facilmente no reino do céu (embora eu gostaria de entender porque o camelo iria fazer isso – passar pelo buraco de uma agulha).

P = A felicidade nos torna felizes?
R = A felicidade faz a pessoa generosa. A generosidade acaba fazendo a pessoa infeliz.

P = O Facebook faz sucesso. Tem algo a dizer?
R = Atenção, meninada, fazer relações públicas não é tornar públicas as relações.

P = Por que você defende o divórcio?
R = O divórcio é muito importante porque permite a pessoa se casar uma primeira vez por interesse e, com o dinheiro desse primeiro casamento, casar de novo por amor. Já quem se casa por amor a primeira vez e perdeu tudo que tinha, adquiriu, nesse primeiro casamento, suficiente experiência pra ter mais juízo no segundo.

P = E o casamento?
R = O pior casamento é o que dá certo.

P = Teme a morte?
R = Bom é continuar a ser sem o não ser à espera.

P = Algo mais?
R = Não vai ser assim, fácil, fácil, me botarem num cemitério. Vão ter que passar por cima do meu cadáver.

P = Algo que lamenta.
R = Tanta plástica no rosto, no seio, na bunda e ninguém aí pra inventar uma plástica no caráter.

P = Você não acha que as pessoas deveriam se dedicar mais à leitura?
R = É inegável que a leitura melhora fundamentalmente o ser humano. Desde que, claro, ele seja alfabetizado. Já a televisão piora até o analfabeto.

P = O que fazer quando, ao longo do ano, baixar o desânimo, o tédio, a descrença?
R = Não desespere – no momento em que a vida lhe parecer realmente insuportável, desligue a televisão e converse um pouco.

P = Como aparentar ter boa reputação?
R = Para você ter reputação de extremamente honesto, basta, quando alguém na rua gritar “Pega ladrão!”, fingir que nem é com você.

P = Ainda temos racismo e preconceito?
R = Nas estranjas, dizem!, todo homem é inocente até prova em contrário. Mas no Brasil pobre e preto é culpado até prova em contrário, e em muitos casos vai em cana como prova em contrário.

P = O que é viver?
R = Depois de não existir nunca e antes de desaparecer para sempre, a gente vive um pouco.

P = Um sinal dos tempos modernos.
R = Vivendo hoje, a gente não pode deixar de ter saudade daqueles tempos em que a humanidade era mais pura e inocente, como em Sodoma e Gomorra.

P = Carnívoro ou vegetariano?
R = Ao fim e ao cabo o homem que come carne é tão vegetariano quanto o homem que come vegetais. A carne é apenas a transubstanciação do capim que o animal come.

P = Uma máxima que, no mínimo, cairia como luva para a laboriosa classe política.
R = Nunca deixe de não fazer amanhã o que pode deixar de fazer hoje.

P = Uma imagem forte para o Ano Novo.
R = O pobre marido saiu da maternidade triste a abatido. Nascera-lhe uma dúvida.

P = Uma revisão histórica.
R = O maior erro de Noé foi não ter matado as duas baratas que entraram na Arca.

P = Uma prescrição médica.
R = Quando você está com a garganta muito inflamada, o melhor mesmo ainda é um bom gargarejo com água, sal e limão. Pode não melhorar a inflamação, mas serve para verificar se o pescoço não tem nenhum furo.

P = Uma prescrição psicológica.
R = Nos momentos de grande perigo é fundamental manter a presença de espírito, já que não é possível conseguir a ausência de corpo.

P = Chegando aos finalmente, uma boa receita para o Ano Novo.
R = Sempre que te derem um pontapé, oferece a outra nádega.

P = Na passagem de ano, qual o conselho: beber com moderação ou tomar todas?
R = Beber é ruim. Mas é muito bom. Deve-se beber moderadamente, isto é, um pouco todos os dias. Isso não sendo possível, beber muito, sempre que der. Mas o abuso, como a moderação, tem que ser aprendido. O amador que abusa tende a ficar desabusado.

P = Uma dica para o caso de uma pessoa se sentir mal.
R = Quando, ao apertar a barriga na altura do fígado, você sentir dor, deixe imediatamente de apertar.

P = E o Ano Novo?
R = Ano Novo, pois é. Coisa bem velha... Mas 2015 está aí mesmo... e a presidenta Dilma vai atender a todas nossas queixas. Queixem-se. Boas entradas.