O tema pode parecer recorrente, mas o enfoque é novo : trauma nos filhos adolescentes. E afinal sempre podemos aproveitar conosco mesmo ou ajudar amigos nesta situação.
COMO SE SEPARAR SEM
TRAUMATIZAR OS FILHOS ADOLESCENTES.
Houve uma época em que as
separações eram menos comuns. O divórcio não era legalmente reconhecido e havia
o mito de que os pais permanecerem juntos era sempre a melhor opção para os
filhos. E, é claro, existia o estigma: filhos de pais separados eram vistos com
preconceito e considerados problemáticos. Hoje, as pessoas se casam
considerando que a união não será, necessariamente, para sempre, e a separação
é uma possibilidade, caso a relação não dê certo.
Toda essa evolução comportamental ajudou a acabar com a discriminação, mas não
foi suficiente para zerar um dos maiores efeitos do divórcio: a dor e o
sofrimento de seus envolvidos, principalmente dos filhos. A situação se torna
ainda mais complexa se eles estão na adolescência, fase de mudanças em que tudo
–em especial uma frustração– parece mais intenso.
Segundo a psicóloga Marilia Castello Branco, da Unifesp (Universidade Federal
de São Paulo), as perdas –como uma separação, mudanças, doenças, mortes e
conflitos– podem deixar marcas no ser humano, mas fazem parte da vida.
"Lidar com elas e com as marcas que inevitavelmente irão deixar é
importante no processo de crescimento. Tentar manter os filhos protegidos
desses acontecimentos pode causar ainda mais prejuízos, mantendo-os frágeis e
incapazes de lidar com as dificuldades da vida", afirma.
Os adultos costumam temer a reação dos adolescentes, mas nem
sempre se pode prevê-la. Ela vai depender da personalidade, do grau de
amadurecimento, da relação com os pais, da situação atual em casa. "Já vi
jovens ficarem bastante abalados e levarem um grande tempo até aceitarem a
realidade da separação, mas também conheço outros que, diante dos inúmeros
conflitos que estavam presenciando em casa, sugeriram ou até pediram aos pais
que se separassem", conta Marilia Castello Branco.
Para a terapeuta cognitivo-comportamental Mara Lúcia Madureira,
os efeitos nocivos do divórcio sobre os filhos estão mais relacionados aos
sentimentos negativos dos pais –culpa, raiva, estresse e inabilidade para
enfrentar as crises– do que às questões de assimilação e aceitação, pelos
filhos, das mudanças no formato da relação. "Em muitos casos, a separação
pode beneficiar as relações. Na medida em que elaboram as perdas, as pessoas
reconhecem os ganhos e passam a valorizar o tempo de convivência", afirma.
Sinceridade é fundamental
A hora de abrir o jogo para os filhos é sempre dolorosa. A psicoterapeuta
Gisela Castanho diz que os pais devem dar, juntos, a notícia. "Não é preciso entrar em
detalhes sobre a vida do casal, afinal, isso só diz respeito aos pais. Mas é
importante deixar claro que é o casal que está se desfazendo, não a família.
Não existe ex-pai ou ex-mãe. O adolescente, mesmo que chocado ou revoltado,
precisa sentir desde o início que não perderá o amor e o amparo dos pais",
explica a especialista.
"É bom usar frases simples e verdadeiras, sem dramas,
sentimentos de vitimização ou acusações contra a outra parte", diz Mara
Lúcia Madureira. Para que os filhos se sintam seguros, os pais precisam,
de preferência, já ter decidido sobre com quem o adolescente vai morar, como
será o esquema de visitas e toda a nova configuração familiar. "Saber como
a vida vai funcionar dali em diante dá tranquilidade", conta Gisela.
Durante a conversa, ambos devem se concentrar nos aspectos
positivos da história que viveram –e mostrar que essa trajetória em comum valeu
a pena, porque geraram um filho juntos, mas que agora não vale mais e que todos
merecem ser felizes. Os pais não devem se encher de culpa pelo sofrimento
causado aos filhos, já que, em longo prazo, o divórcio causa menos danos do que
viver em um lar infeliz, permeado por brigas e ofensas.
"Manter um casamento a todo custo, mesmo quando ele já não
faz sentido, ‘em nome dos filhos’, pode ser muito prejudicial para um
adolescente. Ele pode se sentir responsável ou culpado pelos problemas dos
pais, além de estar exposto a um exemplo de relacionamento muito pouco saudável,
baseado em mentiras", declara a psicóloga Marilia Castello Branco.
Em situações em que o adolescente fica tão magoado que se recusa a ver um dos
pais (em geral, aquele que sai de casa) é essencial ter paciência com a mágoa,
de acordo com Gisela Castanho. "Por mais que o filho diga palavras duras,
os pais devem entender que o adolescente está vivenciando um tipo de luto. E
continuar a batalhar por seu afeto, não desistir jamais de manter um bom
relacionamento", explica a psicoterapeuta, que afirma que o primeiro ano é
sempre o mais difícil.
A terapeuta Mara Lúcia Madureira explica que os pais devem
deixar claro que respeitam os sentimentos e a dor que eles possam estar
sentindo, mas que manifestações excessivas de raiva, além de serem irracionais,
não dão a ninguém o direito de ser cruel consigo ou com os outros. As
demonstrações de carinho e afeto são fundamentais para combater possíveis
atitudes de revolta ou agressividade. Não são poucos os adolescentes que, para
confrontar os pais, os desrespeitam se sentem no direito de fazer o que bem
querem, já que os adultos tomaram a decisão que consideraram melhor para si.
"Pai e mãe devem ser firmes nesse momento e reafirmar, sempre que
necessário, sua autoridade", diz Gisela. E não é só a rebeldia que precisa
ser trabalhada: jovens introvertidos necessitam de ajuda dos pais para
expressar suas emoções. "Pai e mãe devem avisar que estão disponíveis para
conversar novamente sobre o assunto quantas vezes forem necessárias. E cumprir
o que dizem, sem esperar que o adolescente tome a iniciativa", diz a
psicóloga Marilia Castello Branco. Ela conta ainda que o maior medo dos filhos
é do abandono. "É importante que eles tenham certeza de que as casas de
ambos, pai e mãe, são deles também. E a possibilidade de alternar entre essas
casas com liberdade e tranquilidade pode trazer mais segurança", afirma a
especialista.